terça-feira, 23 de junho de 2009

Estreando - A Partida/Okuribito





Bem, quem estreia aqui sou eu, neste lindo blog, e não o filme acima. Este já está em cartaz há semanas no Brasil, e ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro este ano, além de outros prêmios notáveis. Como já é de conhecimento de muitas pessoas que leram a respeito ou viram essa preciosidade japonesa, o filme mostra a transformação profissional, social, e por fim, interior, de um violoncelista que se vê sem emprego e sem seu belo cello de 18 milhões de ienes ainda não pagos quando a orquestra onde trabalha se encontra dissolvida. Precisa entregar o instrumento e decide ir para o interior, para a casa de sua falecida mãe, numa cidade simplória onde o melhor emprego disponível faz do fino músico um pária: ele começa a trabalhar numa espécie de agência funerária e seu trabalho é limpar e arrumar, maquiar e dar dignidade a pessoas mortas antes que sejam colocadas em seus caixões, para serem veladas por seus parentes.

Do início em que sente náusea e medo de ter contato constante com cadáveres, o protagonista chega a reencontros consigo, com o renegado violoncelo (encontra um instrumento pequeno que usava quando criança, e é este que usa durante sua jornada de redescobertas e de abertura da sensibilidade, é este o instrumento que melhor irá falar pelo processo de humanização que atravessa, não com peças complexas, mas com simples melodias e o belo tema do filme, nada mais simples, tocante e... japonês), e mesmo ao perdão. Quem assistir a esta maravilha de sensibilidade vai inevitavelmente terminar com lágrimas nos olhos, ternura sem exageros e muita reflexão.

Com frequência, e não é a primeira vez em que isso é tratado em livro ou filme, uma vida idealizada de glórias é a mais inexpressiva, quando tudo parece funcionar, eis exatamente o caminho do oblívio. Já vimos muitos heróis e personagens abandonarem vidas de futuro certo e cheias de prestígio por destinos aparentemente simples, ou mesmo baixos, que levarão a um grande destino, com uma riqueza interior e uma dignidade dos quais nossos heróis não abdicarão pela vida anterior. Uma vida terna e livre, uma vida de acordo consigo. Uma vida que não presta contas a ninguém. Há uma frase de Henry David Thoreau, meu pensador favorito (ainda vou falar muito dele aqui, talvez seja uma boa ideia criar um marcador...):

"I once had a sparrow alight upon my shoulder for a moment, while I was hoeing in a village garden, and I felt that I was more distinguished by that circumstance that I should have been by any epaulet I could have worn."

Algo como: um dia um pardal pousou nos meus ombros por um instante, enquanto eu perambulava por um jardim da vila, e senti-me mais distinto por aquela circunstância do que por qualquer manta de honras ou beca que jamais usei.

Mas um trecho do filme em particular chamou-me a atenção, e acho que é o coração de toda a trama, e da obra de arte realizada. Está no Tube, e não há prejuízo em assisti-lo sem ter visto a película, podem confiar... antes, algumas observações que me levam a escolhê-lo. É Natal e o jovem ex-cellista se vê sem amigos e sem mulher, vira um renegado por causa do seu suposto "espúrio" trabalho, e resolve passar a noite feliz com seus comparsas de solidão, os únicos que encontram honra em tocar e tratar com dignidade os corpos dos que partiram. Após uma sessão de comelança, a falsa alegria que os cerca é penetrada pela pequena peça tocada no violoncelo, de criança, e uma ternura e melancolia cheias de grandiosidade toca os que antes estavam mergulhados em esquecimento. Daí vem a sequência com a clara descoberta e aceitação de sua posição no mundo, com as cenas do jovem tocando o cello sozinho e observando os parentes dos mortos. Nada mais sensível, nada mais simples, nada mais japonês.



Está aí minha recomendação do momento. Sorte de quem lê que não estou com uma taça de vinho aqui, senão este texto teria quatro vezes o tamanho atual... ainda é muito cedo para beber, estamos no meio da tarde. Afinal, alguma moral sempre fica... neste caso foi da cristã que ainda não me livrei, arre...

Até.

terça-feira, 16 de junho de 2009

"Tocar violoncelo" - por Guilhermina Suggia; "Music and Letters" Abril de 1920


Continuando os textos sobre violoncelo e fugindo um pouco dos métodos que costumo disponibilizar por aqui, segue mais um da Cellista Portuguesa Guilhermina Suggia.

Este foi escrito por ela para a revista “Music and Letters”, em Abril de 1920.

Meu interesse em relação aos textos desta Cellista é baseado no fato de existir enorme quantidade de métodos disponíveis, e, no entanto quase nenhum material textual que aborde aspectos mais subjetivos do instrumento, tão importante quanto a técnica em si. E, em minha opinião, excesso de técnica e pouca noção de feeling musical, é a porta para produzir musicas que já nasceram mortas, sem capacidade de transportar o sublime para o ouvinte, que é um dos objetivos da música afinal...

Este material se encontra publicado no livro "GUILHERMINA SUGGIA ou o Violoncelo Luxuriante” de Fátima Pombo, infelizmente fora de catálogo.

E, novamente, a formatação original bem como expressões em Português de Portugal, foram mantidas.

Bom proveito!


"THE VIOLONCELLO" (O violoncelo)

Caro Senhor Director,

Sinto timidez e embaraço ao escrever para o seu jornal, dado que, como pode ver, não sou uma escritora. Mas pediu-me para lhe dizer algo acerca do violoncelo, a sua literatura, escola, etc… e assim vou fazê-lo; mas antes tenho que pedir desculpa pelo modo amador de exprimir as minhas ideias numa língua estrangeira, com a qual não estou muito familiarizada.


O violoncelo é, porventura, o mais extraordinário de todos os instrumentos, dada a sua amplitude. É o único instrumento realmente capaz de suster um baixo por um longo período de tempo e também de cantar uma melodia em quase qualquer registo. É verdade que o violino e a viola podem cantar melodias e formar o baixo, mas a profundidade das suas notas mais baixas não é suficientemente forte para lhes possibilitar dar forma ao instrumento baixo de uma peça.


É verdade que há duas ou três peças nas quais a viola dá forma ao baixo, mas, por muito belas que sejam estas peças, não podemos ouvi-las por muito tempo sem ansiar pelos tons mais graves de um baixo de mais fortes alicerces. Um instrumento musical deveria ser o meio, quer sozinho quer acompanhado com outros, de transmitir uma mensagem ao

mundo. O estudo de um instrumento deveria ser conduzido desde o princípio com este fim em vista. As possibilidades do violoncelo são quase infinitas e estão porventura somente na sua infância em termos do seu desenvolvimento. Tal pode julgar-se pelo muito limitado reportório de música realmente boa que foi escrita para ele. As mais importantes produções artísticas são de longe a de música de câmara escritas pelos maiores artistas. Os melhores concertos podem-se contar pelos dedos de uma mão. Poder-se-ia dizer praticamente o mesmo acerca dos solos com acompanhamentos orquestrais ou ao piano. Porque terá de ser este o triste destino do violoncelo? Dever-se-á esta circunstância às deficiências dos executantes, ou será realmente verdade que o violoncelo não é um instrumento de solo com sucesso?


O violoncelo “carrière” como instrumento de solo que toda a gente conhece não é muito antigo. À excepção de Boccherini, Romberg e Duport, não houve nenhum nome famoso até meados do séc XIX. Servais, Grützmacher, Davidoff, Piatti, Popper, Housemann, etc… representam uma plêiade de grandes violoncelistas. Alguns dedicaram-se mais ao lado técnico do violoncelo, outros mostraram um gosto mais requintado pelo seu lado clássico, dos quais os melhores foram Piatti e Housemann.


Todos deixaram uma grande quantidade de trabalhos criativos, concertos, estudos, transcrições e pequenas peças (sendo a participação de Housemann valiosíssima, enquanto editor de peças clássicas).
Apesar de tudo, a literatura sobre o violoncelo é ainda muito inadequada, e muitos poucos dos seus trabalhos são presentemente apresentados ao público. Porquê? Não será porque o público de hoje exige bastante mais do que o mero virtuosismo e porque as composições dos violoncelistas têm muito pouco interesse do ponto de vista musical? Velocidade, harmonias, notas duplas, “spiccatos” não têm valor como um fim em si mesmo. Música é do que precisamos, não o modo pela qual é realizada. A técnica é necessária como veículo de expre
ssão e quanto mais perfeita a técnica mais livre fica a mente para interpretar as ideias que animaram o compositor. Mas a técnica não deve ser estudada meramente como destreza. Deve tender sempre para a própria música. O violoncelista deveria empenhar-se em libertar-se da susceptibilidade de produzir ruídos. Um ruído não é música, nem pode uma simples frase musical ser bela contendo um outro som que não seja um som belo. Quanto tempo teremos de esperar para que os violoncelistas tomem consciência de que, se o violoncelo não assume o seu lugar juntamente com o piano ou o violino numa sala de concerto enquanto instrumento solista, o erro não está no violoncelo nem na sua literatura mas tão-somente no seu executante!


O violoncelo, no passado e em grande medida também no presente, parece ser o único instrumento ao qual os ouvintes e críticos (e mesmo os músicos, por vezes) associam má entoação, “arranhões”, sons ásperos, e quase tudo o que é anti-musical. Há pouco tempo ouvi um violoncelista tocar peças bastante importantes para uma audiência bastante pequena, mas musical. O executante estava longe de estar preparado, tanto violoncelística como musicalmente. Para começar, a sua entoação era na generalidade errada, a sua técnica muito imperfeita ( e é espantoso como poucos violoncelistas são capazes de dedilhar uma peça com alguma compreensão, de modo a evitar as passagens que impliquem demasiadas dificuldades no violoncelo); o tratamento de arco era extremamente “gauche”, produzindo crescendos no meio de cada nota, o que dava uma impressão monótona a toda a execução; faltava-lhe todo o sentido do ritmo, acento e precisão, sendo os seus pianíssimos de uma cor tão abatida que na sua maioria desapareciam sob o som do piano; o pior era a pobre concepção das peças que estava a executar, de tal modo que tudo, do princípio ao fim, era pouco interessante e extremamente pouco musical. A senhora ao piano era tão má como o violoncelista em todos os aspectos. Esta maneira de tocar violoncelo é infelizmente muito recorrente e algo deveria ser feito para evitar tal irreverência pela música e pelo instrumento. Apesar de tudo, o público ouve pacientemente com fisionomias aborrecidas, e boceja, muito embora, comportando-se respeitavelmente por tradição, tudo suporte com a mesma resignação de uma congregação numa igreja onde o padre, acompanhando o coro, ataca as respostas num tom completamente deficiente, cantando com uma voz horrível, “genialment” fora de tom. Vi ainda uma crítica a este concerto num dos mais importantes jornais, que exaltava a rica qualidade de execução e de tom do violoncelista, bem como as suas qualidades artísticas, chegando a afirmar que o “ensemble” havia sido magistralmente executado por ambos os músicos.


Se os críticos, os executantes e o público ficam satisfeitos com tal ignorância, então é impossível tentar elevar o padrão de execução de um e de apreciação do outro. As pessoas deviam protestar, os críticos deviam ter a coragem de dizer a verdade, as escolas de música deviam proibir os seus alunos de darem concertos de responsabilidade antes de eles estarem preparado, e mesmo os professores deviam ser submetidos a um teste para se verificar se são capazes de conduzir cada um dos seus alunos no caminho certo.


Havia um artigo esplêndido em THE MUSICIAN, número de Janeiro. Assinado por H.C. com o título “O escândalo do recital” , do qual cito o seguinte:
“No que diz respeito à imprensa, o crítico deveria ser autorizado a dizer a verdade cândida e frontalmente, dizen
do ao artista ou à artista que não tinha condições para aparecer profissionalmente em público, ou então ignorar pura e simplesmente o concerto. Esta última atitude seria a mais drástica e eficaz, pois se não aparecer qualquer notícia tais concertos acabariam, uma vez que a publicidade na imprensa é o seu maior incentivo.”


Um bom solista não é sempre um grande professor, nem um grande professor é necessariamente um grande solista. Conheço casos em que o professor não toca o instrumento, mas produz muito bons alunos. Ele deve ter um profundo conhecimento do instrumento e um dom especial para apresentar as suas ideias teoricamente. Mas o professor comum não é nem um teórico nem um prático, e o aluno é um sofredor.


Com o canto, ouve-se muitas vezes o professor cometer o grave erro de dizer a um soprano que a sua voz é de contralto, ou de dizera um barítono que a sua voz é de tenor. Ouvimos o mesmo de médicos que cometeram o grave erro de fazer um diagnóstico errado. Este erro poderia ter morto o paciente – o conselho errado ao cantor poderia ter estragado para sempre a mais bela das vozes. Já alguém pensou no que um mau ensino pode fazer a um aluno dotado? Pessoalmente, penso que o prejuízo é igual nos dois casos mencionados anteriormente e o resultado ainda pior, pois os outros morrem ou deixam de cantar, mas o violoncelista continua a tocar, desenvolvendo os músculos errados, mau ouvido, mau gosto e inflingindo ao mundo os pecados do seu mestre.


Na minha opinião, a razão do violoncelo ser tocado de um modo tão irregular deve-se ao facto de os violoncelistas não se darem conta da possibilidade indubitável de superar quase todas as dificuldades técnicas que existem no estudo das escalas. Uma das maiores dificuldades para o músico de cordas é que este tem que fazer as suas próprias notas. As escalas, cuidadosamente estudadas, mostrar-se-ão onde as encontrar e como mudar de posição, levá-lo-ão à perfeição em termos de suavidade e de irregularidade na transposição de cordas (uma das ratoeiras que mais contribui para produzir ruídos). As escalas são belas, uma mina de ouro para aqueles que tenham interesse em as estudar em profundidade; elas auxiliam a articulação, o controlo do arco, toda a qualidade de força do tom, como dedilhar as peças. Na verdade, a escala é a base e, no meu entender, o único ponto a partir do qual a técnica e a música podem ser unificadas na perfeição. Mas, infelizmente, quão raro é encontrar alguém que tenha o mínimo conceito de uma escala e não a veja como uma mera necessidade desagradável, ou que possua o sentido da sua relação harmoniosa com as ideias musicais.


Evitarei aqui o mais possível falar de violoncelistas vivos, ou mencionar nomes para estabelecer relações, mas vejo-me forçada a mencionar um nome que, na opinião de todo o mundo é aquele que se destaca proeminentemente dentre os violoncelistas vivos.
Tal nome é Pablo Casals. Não é a sua biografia que vou traçar, mas tenho que dizer algumas palavras acerca do seu trabalho e do seu imenso valor para a geração vindoura de violoncelistas.

Casals tocou quase todos os instrumentos orquestrais entre as idades de 5 e 12 anos. Só então a sua predilecção pelo violoncelo se tornou manifesta. Foi pupilo durante um curto espaço de tempo de José Garcia, em Madrid, mas cedo encontrou o seu próprio caminho e muito rapidamente se tornou o grande expoente dos violoncelistas da actualidade. Revolucionou todas as escolas de violoncelo e criou uma que abre as portas a todas as possibilidades do violoncelo como instrumento capaz da mais pura expressão musical; e esta escola baseia-se pura e simplesmente em princípios lógicos. Dava a maior das importâncias à vulgar escala e estava convencido de que se um violoncelista era capaz de tocar uma escala com perfeição podia tocar fosse o que fosse.


Descobriu que, para se sentar e segurar no violoncelo, colocar o arco sobre as cordas e utilizar a posição do polegar, não era necessário contorcer-se. Executava o trabalho artístico de tal forma que o seu corpo adoptava com naturalidade as formas e movimentos correspondentes, sendo assim capaz de harmonizar aquilo a que os franceses chamam “l’esthétique” com a sua técnica e sentimento musical.


Se o século XVII teve Domenico Gabrieli seguido de Domenico Galli, se o século XVIII teve Luigi Boccherini e mais tarde Romberg, Dotzauer e Duport – este último talvez o mais famoso de todos – o fim do século XIX e princípio do século XX tem em Pablo Casals o maior de todos, o que levou a um mais alto nível a técnica do violoncelo; e ficar-se-á a dever a ele que o violoncelo venha a ocupar o seu lugar, não só ombreando com o violino, mas como primeiro instrumento de arco. É a ele que devemos a recuperação de peças como as suites de Bach, as sonatas de Beethoven e os concertos de Haydn e de Schumann, que ele toca de modo a convencer o mundo da sua beleza. (As suites de Bach tinham até à data sido dadas meramente como estudos nas escolas.) É a essência da música que emana da sua execução,transformando num intermediário entre o compositor e o público, em alguém com uma técnica perfeita, o que equivale a palavras que exprimem pensamentos, o objectivo único do músico. Somente um tal músico merece a designação de artista.


O executante de música de câmara não tem nada que se assemelhe à liberdade de um solista. A sua interpretação depende da concordância e da compreensão dos outros músicos, diferindo a técnica requerida quase que em género daquela que é requerida a um solista. Não pode ser nunca uma técnica de exibição, antes tem de ser sempre subserviente à música. Um executante de música de câmara tem que ser capaz de auto-sacrifício. Um músico que atraia a atenção sobre si próprio na música de câmara é um mau músico. Pode ser um grande solista; mas se não conseguir harmonizar-se com os restantes sem de algum modo os dominar, então não é um bom intérprete de música de câmara. Talvez seja por esta razão que raramente um solista é um bom músico de quarteo ou de trio, e vice-versa.


É extraordinário o nível de unanimidade e de espontaneidade que pode ser alcançado por quatro músicos que tocaram e ensaiaram quartetos durante anos. A questão do “ensemble” dificilmente existe para eles. Enquanto ensaiam uma peça, aqueles que são verdadeiramente músicos passam o seu tempo esforçando-se sinceramente para alcançar o pensamento do compositor. O “ensemble” substitui-se-lhe quase inconscientemente, e quando num concerto são particularmente notados o “ensemble”, os pianíssimos ou os outros aspectos técnicos, é quase certo que algo está errado com a interpretação. É a peça que é importante, o “ensemble” e a unanimidade são meros elementos de interpretação em música de câmara. São os meios para um fim. É bem possível que a razão de as sonatas para piano e violoncelo serem geralmente tidas como um fracasso reside no facto de muito raramente dois músicos unirem esforços e decidirem tocar e ensaiar juntos estas peças do mesmo modo que um quarteto de cordas as ensaiam. Porque é que o não fazem? As peças são muito mais difíceis do ponto de visto técnico do que os quartetos de cordas, no que respeita nomeadamente no equilíbrio dos instrumentos.


As sonatas para piano e violoncelo são música de câmara em absoluto e deviam ser ensaiadas com tanto cuidado e exaustão como um quarteto de cordas e até mesmo mais, dados os maiores problemas de equilíbrio. Se um pianista e um violoncelista decidissem tornar-se executantes de sonatas e ensaiassem e actuassem juntos durante anos, a questão do equilíbrio tornar-se-ia um mero acidente na interpretação. Presentemente é este o problema, praticamente não resolvido, que transforma estas mesmas sonatas num fracasso. Cada uma das cinco sonatas de Beethoven é uma peça de arte completa e foi escrita por Beethoven de modo a ser um sucesso absoluto. Beethoven não cometeu nenhum erro. As partes de piano e violoncelo estão marcadas com o maior cuidado e de tal modo que, se fossem executadas como deveria ser, rapidamente se encontrariam audiências e amantes de música por todo o lado, descobrindo novas peças de Beethoven! Beethoven não tinha um piano de armação em aço para tocar ou escrever, mas tinha os velhos instrumentos de cordas italianos, quase como os que existem hoje. O seu piano possivelmente tinha apenas um quarto de tom do piano dos nossos dias; enquanto que a função do tom nos instrumentos de cordas deveria ser a mesma dos de hoje.


As duas sonatas de Brahms, bem como as três de Bach, embora para viola de gamba, são todas igualmente de grande sucesso se um estudo cuidadoso lhes for dedicado. Brahms escreveu obviamente para o moderno piano forte, e o estudo cuidadoso das pautas para piano destas duas sonatas mostra bastante claramente que Brahms compreendia em absoluto o equilíbrio dos dois instrumentos. São os executantes os responsáveis pela crença comum de que as sonatas para violoncelo são um fracasso. É devido àquela falta de execução técnica, de conhecimento do equilíbrio entre o piano e o violoncelo, que musicalmente estas peças quase nunca são um sucesso.


Depois há o violoncelista de orquestra. Pergunto-me quantas pessoas pensarão nele! E quantos darão conta de quão tremendos dotes de paciência, de ser capaz de ler num relance e de possuir o poder de ler num relance e seguir o ritmo do maestro são essenciais a todo e qualquer músico de orquestra antes que este possa aspirar a obter uma posição numa banda, mesmo que seja do membro mais humilde! Ele tem que praticar de modo a dar resposta a todos os requisitos das peças modernas. Tem que se sentar provavelmente durante seis horas de ensaio por cada concerto que ouvimos e, embora possa discordar em absoluto do conceito musical do maestro, tem que reprimir-se e obedecer àquela batuta impiedosa. Tem que estar sempre a contar compassos, procurando marcas de expressão. Nas peças mais modernas há mudanças contínuas de clave ou de andamento que o forçam a estar alerta literalmente durante todos os minutos do tempo que está a tocar. Nunca se atreve a esquecer-se de si mesmo, mantendo a sua mente e sentidos alerta de um modo dificilmente concebível para aqueles que se assentam e disfrutam da sua comparticipação no espectáculo. E ai daquele cuja atenção se desvia por um momento e que toca acidentalmente quando disso o compositor não tem intenção! Não há necessidade de alguém o punir; ele puniu-se a si próprio. O maestro, todos os outros membros da orquestra e todos os olhares da audiência parecem ter, repentinamente, descoberto a sua existência. Em suma, ser músico de orquestra deve ser o mais enervante e cansativo dos três ramos do nosso belo instrumento.


GUILHERMINA SUGGIA

do livro "GUILHERMINA SUGGIA Ou o Violoncelo Luxuriante" de Fátima Pombo




sexta-feira, 5 de junho de 2009

Violinos, Cello, Rock Pt. 21 - "Therion"


Therion: “Goes Classic” & “The Miskolc Experience”




Finalmente!


Precursora do Heavy Metal Sinfônico, um dos mais controversos estilos dentro do Heavy Metal, está o competentíssimo pessoal do Therion.


A alguns anos, desde que começou essa mania de bandas gravarem com Orquestra – e vejam, creio que metade do que foi lançado no mercado atingiu resultados pífios, duvidosos mesmo – desejava ver algo do Therion gravado neste formato.


Em 2007, a banda se reuniu no Palace Hall em Bucareste, Romênia; com a Romanian Radio Orchestra bem como alguns medalhões da opera internacional. No total, mais de 100 músicos, 70 outros no coral bem como cantores eruditos convidados de Viena; todos sob a regência de Stollenwerk, mais conhecido por ter conduzido uma parcela da Orquestra Sinfônica de Praga no álbum “Língua Mortis” da banda Alemã “Rage”,


O concerto "Therion Goes Classic" foi parte do projeto "Ars musicae, ars medicinae - music against cancer", com os fundos angariados destinados ao tratamento de crianças com câncer na Romênia.


O projeto deu tão certo que o pessoal do Therion foi convidado a repetir a dose, desta vez em Miskolc na Hungria, em um festival específico de Opera. Cada vez mais, me parece que o Heavy Metal tem se aproximado mais com a dita “música séria” – favor notas as aspas – com sucesso de público e crítica. E, graças a este bem sucedido show, foi possível por exemplo edições posteriores do evento que, que abriu as portas para a gravação do “Epica – The Miskolc Conspiracy”.


O trabalho todo é dividido em duas partes; onde podemos encontrar na primeira, releituras “Therionizadas” de Wagner, Mozart, Verdi, Dvorak e Camille Saint-Saëns, interpretações majestosas, que só tiveram a ganhar com a banda – aliás, ouvindo o trabalho, é difícil saber “quem acompanha quem” na apresentação, tamanha a sinergia entre banda, orquestra e coral.


A segunda parte é a banda em foco, acompanhada pela Orquestra. Grata surpresa! O gênero que praticado pelo Therion casa-se perfeitamente com a Orquestra e o Coral, e não é surpresa que tudo adquire uma fluidez única, raramente observada neste tipo de projeto. Encontramos aqui músicas do Sirius B, Lemuria, Deggial, Secret Of The Runes, Vovin, citando alguns...


Belíssimo trabalho; o que é de certa forma redundante dizer: Tudo o que o Therion faz é dotado de uma beleza ímpar, singular.


Como única crítica a ser dita, foi a falta que senti de músicas de sua fase mais sombria, em início de carreira. A orquestra poderia ter dado outra dimensão a algumas composições do Theli, ou até mesmo do Beyond Sanctorum.















Clip: Wagner: Rienzi















Link: "Therion Goes Classic" (495.28 MB)





















Link: "Therion: The Miskolc Experience"
















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