sábado, 17 de dezembro de 2011

Encerramento do Blog...

Bom pessoas...

Acho que o título desta postagem é bem autoexplicativo.

Nesta madrugada de domingo, dia 18 de dezembro de 2011, eu encerro formalmente as atividades deste blog.

Eu poderia enumerar uma série de motivos para ter optado por este caminho; mas a verdade é que há vários meses seguidos que lido com o fato de ter perdido o tesão em escrever textos para uppar por aqui.

Não há muito a ser dito em relação a isso, fora o fato de que prefiro tomar esta decisão ao invés de me ver na situação da obrigatoriedade de tempos em tempos postar algo aqui que não faz jus as melhores épocas do Vinho & Cigarros.

Muita coisa aconteceu nestes 5 anos de existência deste blog; e a bem da verdade, lhes digo que foi uma grata surpresa a receptividade que tivemos por aqui. Como leitor de blogs similares a este, passando para autor e após, a entrada de alguns outros autores que só vieram a agregar em termos de qualidade e variedade; sei o quanto é difícil encontrar uma página com o conteúdo que esta teve a oferecer.

Graças a este trabalho pelo mais puro prazer do exercício da escrita, música e artes em geral, conheci pessoas maravilhosas - algumas das quais permaneceram em minha vida e outras, por motivo ou outro, decidiram trilhar seus próprios caminhos. Mas cada uma delas, em seus momentos mais pessoais e verdadeiros, deixaram seu brilho e sua marca nesta página.

Portanto, eu gostaria de deixar aqui um sincero agradecimento a quem me ajudou a dar vida a esta página por alguns anos seguidos:

Bárbara C. - por me ter sido uma inspiração bem como fonte de aprendizado em relação a música e ao Cello, e também - mesmo que ela não soubesse disso - ter me ajudado em um dos momentos mais barra pelo qual passei nos anos em que morei em São Paulo; seja com palavras ou seja com o seu exemplo sobre como viver a vida de maneira leve. Ela tem a vida e paixão de seus olhos refletidas na graça e suavidade cativantes de suas arcadas precisas e elegantes..

Ao grande Chico Mouse, que topou a empreitada de me seguir na escrita deste blog e me acompanhou por alguns anos, contribuindo enormemente com suas experiências práticas em relação ao Cello e seus pedais; mesmo que eu ainda desconfie que o Acre seja lenda! A-rá!! rs Um enorme abraço para tí, meu caro!

A Cecília, que por alguns meses deu uma contribuição fantástica a estas páginas; trazendo toda a graça e charme de sua escrita; sensibilidade em suas palavras, eloquência em suas idéias e um senso incrível de acidez literária que só ela é capaz. Acaso esteja lendo tais palavra; você é foda! tiro meu chapéu para você!!

A Nathalia, essa pentelha contrabaixística que apareceu do nada e que tive o prazer de acompanhar desde início de sua caminhada musical; suas duvidas sobre o que prestar no vestibular, até sua decisão de se entregar de vez a nossa paixão; a música! Você é uma graça, mocinha! :)

E agradeço principalmente a todos vocês, que acompanharam as reclamações, divagações, viagens na maionese, pirações e momentos total nonsense; todas regadas a bons vinhos.. E também - baratos, porquê não? - em momentos da mais genuína boemia.

O Blog está encerrado, mas não morto; na medida do possível ainda corrigirei links quebrados caso me peçam... E procurarei responder a dúvidas, caso perguntem.. No entanto, infelizmente não mais com a mesma frequência de antes.

Quem sabe um dia, voltarei a sentir tesão na escrita? Pois do futuro, nada sabemos... E aí reside parte da beleza da coisa toda; somos livres para fazermos o que der na telha!

Portanto pessoas; um brinde a todos nós!! muita música!! Muito vinho!! E acendam seus cigarros em desafio a essa estúpida época do politicamente correto!! E celebremos, pois lá fora já nasce um novo dia!!

E assim me despeço;

Um enorme abraço a todos!!

Andreas M.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Uma Névoa Flutua Sobre A Realidade


Uma pardacenta ilusão submerge toda a cidade - e com espanto se encontra numa taverna, quem julgara penetrar num templo. Ora para a maioria dos espíritos uma névoa igual flutua sobre as realidades da Vida e do Mundo. Daí vem que quase todos os seus passos são transvios, quase todos os seus juízos são enganos; e estes constantemente estão trocando o templo e a taverna. Raras são as visões intelectuais bastante agudas e poderosas para romper através da neblina e surpreender as linhas exatas, o verdadeiro contorno da realidade.”

- Eça de Queirós


Ando um tanto afastado de todas as atividades relacionadas a produção ligadas a artes. No momento, qualquer coisa ligado a criação tem sempre evocado uma simples pergunta: “Para quê?”

Imerso em pensamentos, quase todos relacionados a busca por alguma resposta sobre o porquê vivermos determinadas coisas, me soam um tanto infrutíferas. Sempre retorno ao “Para quê?”

Assim, parte do brilho, das cores, e inclusive da sonoridade das coisas, andam um tanto embotadas.. Sem brilho, sem cores e dotados de ruídos apenas.

Sim, a música não tem me soado como antes, são raras as coisas que escuto no momento, que me trazem algum alento ou paz.

Tenho escrito muito em meu diário pessoal, em sua grande maioria, textos divagativos acerca de algumas questões que há muito se encontram em aberto comigo mesmo. Mas é estranho, pois cheguei em um ponto no qual me foge inclusive, qual é a pergunta.

Tenho vivido em uma espécie de estado onírico, em que os sonhos da noite permeiam a minha realidade desperta; dotando tudo ao meu redor, com uma textura que remete ao onirismo noturno. Oneiros, Oneiros. (ou Oneiroi- em grego Όνειροι, Sonhos), filho da noite. A que tudo e a todos cobre com suas longas mantas escuras e espessas. - Não consigo deixar de lado a nítida sensação de que todos estamos de fato, vivendo uma espécie de sonho alheio.

Sei que um de nossos objetivos por aqui é assumir as rédeas de nossa própria concepção de realidade no sentido pleno da palavra conceber. Cabe a nós. Somos donos do que desejamos e criamos. E somos responsáveis por tal criação. Vem daí essa espécie de crença que afora a questão das realidade coletiva a qual todos compartilhamos, também vivemos quase em nossa totalidade do tempo, presos a uma realidade pessoal; esta, muito mais bizarra do que podemos de fato nos dar conta. Talvez, sequer queiramos nos dar conta disso, de qualquer modo.


Enfim, apenas divagando um pouco. Bem por aí o teor do que escrevo em minhas páginas pessoais.


Para quê?”

- Sigo me perguntando, enquanto os dias se passam preguiçosos ao mesmo tempo que apressados...



quinta-feira, 2 de junho de 2011

Quando seguimos em frente...


13.


ERA UMA DESSAS MANHÃS às portas do outono em que a lua conseguia sobreviver ao dia. O sol não aparecia no céu: ele penetrava delicadamente todas as individualidades naturais e urbanas, transpirava em pétalas de flores, edificações antigas e rostos extenuados de passantes.

No holocausto fecundo do tempo que passa, floresciam para os olhos traumatizáveis os únicos verdadeiros edens, aqueles cuja arquitetura se constrói a partir de sensações.

Neste domingo de manhã, Antoine despertou às oito horas. Em meio às ondas entre mescladas que separam o sono da vigília, tinha-lhe parecido ouvir uma canção.

Espreguiçando-se, ele se ergueu. Após ter posto água para esquentar, tomou uma ducha. Uma vez completada a infusão do chá, permaneceu por um instante a olhar o líquido verde e fumegante diante da sua janela. Num galho, um passarinho parecia fazer pose para o álbum da memória de Antoine; o sol de verão exalava um flash permanente na atmosfera. Sem beber uma gota do seu chá, ele pousou a xícara diante da janela e saiu do seu conjugado.

Caminhou até o parque de Montreuil, imiscuindo-se entre os carros e os passantes. Andava depressa, livre de amarras, os cabelos em revolta ainda úmidos. A esta hora, o parque estava praticamente deserto: velhos passeavam, mulheres arejavam os filhos, uma pintora com um chapelão erguera seu cavalete sobre a grama.

Antoine caminhava a passos errantes, como perdido nesse lugar aprazível e calmo. Sentou-se num banco ao lado de um homem velho apoiado na sua bengala de cabo de prata. O velho estava com um chapéu de feltro cinza com uma fita de seda negra; virou ligeiramente a cabeça na direção de Antoine e depois retomou a sua posição de sentinela esgotada.

Antoine olhou na mesma direção e, durante um momento, não viu nada, mas, estreitando os olhos, observando atentamente, percebeu uma mulher jovem precisamente diante dele. Ela perscrutou Antoine, inclinou a cabeça, abaixou-se para examiná-lo como se ele fosse uma escultura e por fim lhe estendeu a mão. Por reflexo de cortesia, Antoine apertou-lhe a mão. Ele quis falar, mas a mulher lhe pôs um dedo sobre os lábios e fez sinal para que se levantasse e a seguisse. Eles afastaram-se do banco e do velho.

- Estou procurando os meus amigos - disse a moça olhando para Antoine, e depois em volta.

- Eles se parecem com quem?

- Com você, talvez. Como você tinha a aparência de ser alguém interessante sentado naquele banco, eu disse a mim mesma que você gostaria muito de ser um dos meus amigos. Você tem uma aparência de ser de boa qualidade. De uma qualidade superior.

- De qualidade superior... Você parece estar falando de um presunto.

- Não, não estou falando de presunto, eu não como carne.

- E você come os seus amigos?

- Eu não tenho amigos, você precisa prestar um pouco de atenção às minhas palavras. Então, como eu digo coisas verdadeiramente assombrosas, é seu papel perguntar-me por quê.

- O meu agente se esqueceu de me mandar a continuação do script. Então... por quê?

- Por que o quê? - perguntou ela fazendo-se de assombrada de maneira muito convincente.

- Por que é que você não tem amigos?

- Eles mofaram. Eu não tinha reparado em que eles tinham prazo de validade. É preciso prestar atenção a isso. Os meus amigos começaram a ter traços de apodrecimento, manchas verdes muitíssimo repugnantes. O que eles diziam começava a verdadeiramente cheirar mal...

- Isso pode ser perigoso.

- Sim, eles teriam podido causar-me uma intoxicação.

-Você os pôs em quarentena?

- Não, não houve necessidade, eles se projetaram sozinhos em suas vidas enfermiças.

-Você é severa.

- Perdoe-me, porém esse não é o seu texto: você deveria ter dito:

“Você é fantástica.”

- Surgem improvisos de última hora no próprio palco.

- Eu sou sempre a última a saber!

A moça parou subitamente e deu um tapa na testa. Ela encarou Antoine, parecendo arrasada, com os olhos arregalados.

- Esquecemos a cena de apresentação! Esquecemos a cena de apresentação! Temos de recomeçar desde o início. Vamos, vamos voltar ao banco.

-Você sabe - respondeu Antoine detendo-a -, a gente poderia fazer umas anotações para garantir a continuidade. É isso que se chama fazer montagem.

-Você tem razão. Caminhemos por alguns instantes sem dizer nada e apresentemos-nos. Ação.

Eles caminharam pelas pequenas alamedas do parque, sobre a relva, olhando as árvores, os pássaros. O tempo estava ameno, o ar tinha uma cor clara e quase cintilante. Nunca o mês de setembro tinha sido tão agradável; ele ignorava ingenuamente o outono que se aproximava, permanecia altivo, de pé, esbanjava as derradeiras forças do verão como se elas fossem infinitas.

- Oh - disse a moça espontaneamente -, eu me chamo Clemente.

- Muito prazer - respondeu Antoine com um tom jovial. - E eu me chamo Antoine.

- Eu estou encantada em conhecê-lo - disse ela apertando-lhe a mão, e depois, após alguns minutos de silêncio, prosseguiu: - Agora, Antoine, retomemos a partir do momento em que você dizia que eu sou fantástica.

- Eu dizia que você é severa.

-Você é muitíssimo injusto. Você não sabe julgar?

- Eu tento, mas é difícil.

- A minha teoria é que se pode compreender e julgar. A gente julga justamente para se defender, porque quem tenta compreender a gente? Quem compreende os que tentam compreender?

- Lacenaire dizia que os únicos que estão capacitados para julgar são os condenados.

- Então, se é assim, nós somos os condenados - disse Clémence abrindo os braços. - Eu sempre fui condenada, desde pequena fui julgada com sentenças silenciosas. E bonito o que eu disse, não?

- Por exemplo?

- Por exemplo: tudo. A sociedade inteira é um julgamento contra mim. O trabalho, os estudos, a música moderna, o dinheiro, a política, o esporte, a televisão, os manequins, os jornais, os automóveis. Isso é um bom exemplo: os automóveis. Eu não posso andar de bicicleta, caminhar
onde queira, desfrutar da cidade: os automóveis condenam a minha liberdade. E eles são fétidos, são perigosos...

- Estou de acordo. Os automóveis são uma calamidade.

Eles compraram algodão-doce. Bicando, arrancando volutas rosa, eles comeram rapidamente, açucarando os dedos e os lábios.

- Outra coisa - disse Clémence. - A meu ver, a grande divisão do mundo, bem, à parte todo esse negócio de classes sociais, a grande divisão do mundo é entre os que vão às festas e os que não vão. E esta divisão da humanidade, que data da época do colégio, persiste toda a vida sob outras formas.

- Eu não era convidado para as festas.

- Eu tampouco. Eles tinham medo, porque eu dizia o que pensava e eu pensava muito mal dos meus colegas. Eu detestava quase todo o mundo.

Era genial. Mas agora, porque perceberam como nós somos fantásticos, eles querem convidar-nos para as festas de adultos, e fazer de conta que nada aconteceu, como se tudo estivesse esquecido. Mas não, nós não iremos.

- Ou então vamos somente para comer salgadinhos e tomar garrafas de Orangina.

- E bater com tacos de beisebol na cabeça de todos eles - disse Clémence simulando o gesto.

- E acabaremos com eles com tacos de golfe, é mais elegante.

- Com classe, com graça.

Discutindo tudo isso, eles deixaram o parque. Caminhavam lado a lado, Clémence saltitava, colhia flores, perseguia os pássaros para tocá-los.

Ela tinha, mais ou menos, a idade de Antoine; por momentos ficava muitíssimo séria e, no instante seguinte, desenvolta e leve, a sua personalidade não cessava de virevoltear. Com ar cândido, ela exclamou abrindo os braços:

- Por que a gente não teria o direito de criticar, de achar certas pessoas babacas e fracas, sob pretexto de que teríamos um clima pesado e ciumento? Todo o mundo se comporta como se fôssemos todos iguais, como se fôssemos todos ricos, educados, poderosos, brancos, jovens, belos, machos, felizes, como se todos estivéssemos com boa saúde, como se todos tivéssemos um carrão... Mas isso, obviamente, não é verdade. Por isso, tenho o direito de gritar, de estar de mau humor, de não sorrir idiotamente todo o tempo, de dar a minha opinião quando vejo coisas não normais e injustas, e até de insultar as pessoas. Tenho o direito de protestar.

- Estou de acordo, mas... isso é fatigante. Podemos fazer isso de um jeito melhor, não?

- Você tem razão - concedeu Clémence.

- E idiota gastarmos toda a nossa energia com coisas com as quais não vale a pena gastá-la. Mais vale guardarmos as nossas forças para nos divertir.

- E para passear na margem do rio.

- Passear na margem do rio... Isso é de uma canção, não?

Clémence cantarolou uma vaga canção. Eles caminhavam na calçada entre a multidão de trabalhadores e desempregados, estudantes, velhos e crianças. As lojas, as padarias, os bancos continuavam cheios desses glóbulos variegados que são os seres humanos no aparelho circulatório da cidade. Um carro passou diante deles buzinando e parou dez metros adiante, num sinal vermelho. Clémence tomou Antoine pelo braço.

- Feche os olhos - pediu-lhe ela. - Eu tenho uma surpresa para você.

Antoine fechou os olhos. Um vento leve e quente eriçou os cabelos dos dois jovens. Clémence conduziu Antoine puxando-o pelo braço; ela o levou para o meio da rua. A uns cem metros, vinha um veículo negro.

- Bem, você já pode abrir os olhos.

- Clémence, está vindo aí um automóvel negro - constatou tranqüilamente Antoine.

-Você prometeu que teria toda a confiança em mim.

- Não, de maneira nenhuma, eu nunca disse isso.

- Ah, sim, eu esqueci de lhe pedir que tivesse toda a confiança em mim. Tenha confiança em mim, certo?

- Clémence, o automóvel...

- Jure que você vai ter toda a confiança em mim e pare de gemer, seu medroso. Você não deve mexer-se, isso é muito importante.Jure.

- Está bem, eu juro. Eu não vou mexer-me, eu não... vou mexer-me...

O carro estava já a não mais de trinta metros, a sua buzina urrava para que os dois jovens saíssem do meio da rua. Antoine e Clémence não se mexiam, os passantes olhavam para eles. No penúltimo instante, Clémence puxou Antoine pelo braço e eles caíram na calçada. O carro negro passou resmungando ferozmente e arreganhando-lhes os dentes.

- Eu salvei a sua vida - disse Clémence. - Eu sou a sua heroína! - Ela se levantou e ajudou Antoine a se pôr de pé. - Isso quer dizer que nós estamos ligados pela vida. Doravante nós somos responsáveis um pelo outro. Como os chineses.

- Eu acho que já tive suficientes emoções por hoje.

- Você tem algum número de emoções que não pode ultrapassar?

- Sim, tenho, é isso, senão corro o risco de morrer de overdose. E não me diga que as overdoses de emoções são geniais, porque não estou acostumado a elas.

Esfomeados por causa da sua vida tão aventurosa, Clémence e Antoine concordaram em ir almoçar no Gudmundsdottir com As, Rodolphe, Ganja, Charlotte e a sua amiga. Entretanto, como ainda faltavam algumas horas para o meio-dia, decidiram brincar de fantasma. Clémence

explicou a Antoine em que consistia essa brincadeira: eles tinham de se conduzir como fantasmas, olhar fixamente para as pessoas nas terrasses dos cafés, passear pelas ruas e pelas lojas ruidosas, ulular, flanar valendo-se da sua invisibilidade, conduzir-se como se tivessem desaparecido dos olhos do mundo. Agitando as suas correntes e levantando os braços de maneira aterrorizadora, Clémence e Antoine começaram a assombrar a cidade.



FIM DO LIVRO

MARTIN


"Como me tornei estúpido" Martin Page Tradução - Carlos Nougué / Ed. Rocco

Título Original “Comment Je Suis Devenu Stupide”

domingo, 27 de março de 2011

Daphné - Bleu Venise


Uma das coisas interessantes sobre a Europa, é a pluralidade em termos de características musicais existentes entre um pais e outro. Cada qual carrega sua carga de características regionais embutidas em seu estilo, seja pelo idioma, ou seja por outras influências. Tirando os clássicos mais internacionalizados – e entenda por “clássicos”, o que se convencionou a tocar em todas as FM's pelo mundo afora – dificilmente as musicas seguem um molde pré-definido; ou seja, o que funciona bem em um país não necessariamente irá funcionar tão bem em outro. Assim, é legal perceber que a música contribui também para o clima do lugar aonde você está.

Em minha brevíssima passagem por Paris entre refeições regadas a vinho e camembert, me era impossível não acabar sendo fisgado por algumas músicas que rolavam nas radios. Assim, foi lá que acabei tendo um pouco mais de interesse por pesquisar alguma coisa mais típica. Posso dizer que meu contato com o trabalho da cantora Daphné veio de algumas passagens pelos tuneis do metrô Parisiense, particularmente de um cartaz contendo a propaganda de seu ultimo álbum, “Bleu Venise”. Não é um estilo de música que muitos irão gostar, de qualquer modo deixo registrado por aqui já que fiquei cativado.

Com um leque de influências bastante variado que vão desde The Police, passando pelos trabalhos solos de Sting e indo ao reino do erudito com Purcell e Ravel, a cantora pratica um tipo de música bastante particular ao estilo Parisiense, a chamada “Chanson” - termo derivado do Latim, “Cantio”. As Chanson são definidas pela sua orientação a característica Lirica Francesa, além de algumas influencias de um certo secularismo em suas composições.

Daphné nasceu em Clermont-Ferrand, Puy-de-Dôme e logo cedo se mudou para Paris aonde passou a trabalhar em suas composições e ganhar um certo reconhecimento em círculos musicais mais restritos.

Seu primeiro álbum, “L'émeraude”, é basicamente um trabalho Pop, aonde estão presentes elementos do Tri hop e do mencionado Chanson. Despretenciosa, chama atenção a sua técnica vocal enganadoramente simples pela suavidade imprimida em seu tom. Dona de um timbre suave, macio; ela mostra uma desenvoltura bastante grande na variação dos timbres em que canta suas musicas, mantendo a formula toda com uma coesão impecável. Tal coesão deriva de sua ideia de que a técnica vocal serve principalmente para o transporte das emoções entre o vocalista, e o público. E nisso, ela se mostra bastante bem sucedida.

Embora totalmente intimista, sua temática musical baseia-se no cotidiano sob uma ótica positivista. Ou, em suas próprias palavras, confessa que adoraria poder tocar os corações de pessoas que deixaram de acreditar em seus sonhos e em suas vidas; e que hoje só pensam em fugir de tudo. Bom, sinceramente não sei se ela seria bem sucedida, mas em sua música existe uma sinceridade tocante; coisa bastante rara nos dias de hoje. Ora, aliás, só por isso já acho que vale uma ouvida com calma.

De qualquer modo existem alguns elementos intrigantes em sua música, particularmente em seu ultimo álbum. Embora não de maneira totalmente identificável, existe um “q” meio dark em suas composições. No entanto tais elementos estão tão velados que é difícil dizer o “como” ou o “porquê”, restando apenas aquela sensação, como em uma espécie de ruido de fundo.

De qualquer modo, ótima pedida – para aqueles que gostam de algo diferente – para colocar e escutar sozinhos, sem ninguém por perto para encher o saco...


Vai bem com queijos e vinho.


Entrevista + trechos ao vivo..










Link:












Uma nota perdida na madrugada...


Última madrugada, talvez 3:30 no led do relógio.

Finalizei um livro o qual estava lendo e peguei um pouco em uma caneta para continuar alguns apontamentos e notas pessoais em uma espécie de diário que mantenho a algum tempo.

Tenho me questionado a respeito da maioria das coisas que escrevo por aqui já a algum tempo, bem como a validade das mesmas. Fato é que este blog sobreviveu muito mais do que eu esperava. Não que eu realmente esperasse alguma coisa dele. Mas, 4 anos escrevendo a respeito de uma série de coisas que geralmente são de interesse a um público relativamente restrito e ainda tentar manter um foco não é algo a ser menosprezado. Acho que aí que a coisa pega, quando a coisa deixa de ser um hobby e passamos a nos preocupar demais com a qualidade ou o que as pessoas irão pensar sobre suas opiniões, pontos de vista ou até mesmo a estilística do que você escreve. Tenho me perguntado agora, quando foi que passei a me importar com essas coisas e os porquês disso. A possibilidade deste tipo de reflexão é interessante pois nos leva a algumas respostas que demoramos a enxergar. E uma das que eu procurava – já havia sinalizado isto neste blog algumas vezes – é o fato de que na realidade eu não escrevo para um público. Nunca foi este o meu interesse. Acima de tudo eu escrevo – ou ao menos, deveria – para mim mesmo. Assuntos que me interessam. Assuntos que me encafifam. Assuntos que me irritam. E além da cota que me permito de crises filosófico-existenciais; uma enorme parcela de viagens na maionese descabidas. Porque escrever as coisas que tem aqui dentro é e deve ser antes de tudo um prazer, e não qualquer exercício masturbatório intelectual.

Sim, é isso.

Acredito que no momento que nos colocamos na posição de imaginar se alguém irá se importar com o que escrevemos, é o momento em que o espírito e objetivos iniciais de uma produção constante, se perdem. E se perder nestes termos é algo bem ruim; afinal, se o objetivo é escrever para si mesmo, qual é o ponto de realmente se importar com o que os outros supostamente se interessariam em ler? Isto acaba por se refletir na própria sinceridade que se imprime no texto, ou no caso, a falta dela.

Pois é.

Levando em consideração tais pontos, acredito eu que tal blog se tornou engessado em demasia. Neste caso eu teria duas possibilidades: terminar a reformulação que iniciei mais ou menos no meio do ano passado mas nunca tive saco para levar adiante; ou encerrá-lo de vez. E confesso, foi tentador lidar com a possibilidade de encerrá-lo de vez e recomeçar algo novo, diferente.

De qualquer modo não creio que seja este o caminho, afinal, além de 4 anos não ser algo que simplesmente se jogue fora, tenho lá meus laços pessoais que me prendem a muito do que está escrito aqui. Então, opto por seguir um direcionamento diferente e manter tudo isso mas promover algumas mudanças, aos poucos.

De qualquer modo, deixo aqui registrado um sincero agradecimento aos vários autores que já passaram por aqui; alguns tendo permanecido por maior ou menor período de tempo, e que tendo entendido que por “n” motivos já não tinham muito a contribuir, optaram por seguir outros caminhos. Para vocês, um enorme obrigado e saudações. Por um bom tempo me ajudaram a manter isso aqui vivo. Boa sorte em suas empreitadas.

Sigamos em frente...?


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

LelleBelle - Intertextualidade Música & Erotismo

A beleza de se estar fora de seu país de origem – por mais contraditório que isto seja em meu caso pois hoje percebo que se não sou Brasileiro, tampouco sou Alemão, percebo – é a súbita noção de que outras realidades são possíveis. Reais. Pequenos, habitados. Outros, imensos, maravilhosos, além deles. O quão somos limitados e precisamos aprender a voar. Alguns não se dão conta do quão é ruim estar confinado em um lugar minúsculo quando se há outros em que se pode estar; apenas sentem uma espécie de ruido de fundo de que algo não vai bem no reino do “eu”.

Estendendo o raciocínio, geralmente o “eu” liga-se ao “ser”, e o “não ser” o que sabe-se que poderia ser; leva a imobilidade mórbida, a incapacidade de se mover adiante por se perder dentro de si mesmo. Geralmente esta é a hora em que devemos sacudir a poeira, levantar âncoras e partir para algum lugar distante, preferencialmente algum no qual você não seja constantemente lembrado de onde estão suas origens. Estas, vem depois, quando todas as feridas já não sangram e você pode olhar para elas sem se surpreender. Vejam, a vida é um encadeamento de eventos racionais; e muitos deles infelizmente estão fora de nosso controle.

Quando embarquei para o velho continente tinha uma ideia fixa na cabeça, o não voltar mais ao país em que parte da população é o sal da terra. Já longe, distante, percebi -mesmo que inconscientemente - várias correlações entre o velho e o novo continente, em se tratando de hábitos que justificam o “jeito de ser” Brasileiro. Vejam, não digo que me tornei mais tolerante em relação ao que ocorre aí. Apenas adquiri um novo ponto de vista, percepção; menos embasado no passional e mais no racional.

E em se tratando de passionalidade, sou uma destas por natureza. Não faço nada que não seja de maneira apaixonada. E como tal, me apaixono tão facilmente quanto costumo me desiludir. É assim com pessoas, hobbys, gostos, percepções, pontos de vista enfim; a lista é enorme.

Quando embarquei em idos de outubro inicialmente para Roma, andava desacreditado em relação a música, levantando questões relacionadas ao “o que é a música” afinal. É uma manifestação artística? A música “pode” ou “deve” ser considerada arte?

Transitava pelo “deve”. Tempos depois, me virei para o “pode”. Hoje, por mais polêmica que tal posição possa soar; lhes digo que em minha humilde opinião a música enquanto em fase embrionária não é arte, é comunicação subjetiva; o diálogo entre o “eu” e o “eu mesmo”. Isso não é arte. Na verdade é algo além da arte, de cunho extremamente íntimo. Já a música quando produto final, “pode” ser considerada arte, mas não necessariamente o é. Há músicas e músicas. Músicas boas, sinceras. Música pastiche. Música feita para vender. Músicas pífias com trejeitos cool travestidas de intelectualismo pobre. E logicamente, a música-diversão; tão descartável quanto um cotonete usado por alguém que não limpa as orelhas há uma quinzena de dias ou mais.

- Bom, quem sou eu afinal para julgar o gosto alheio...? Viva a pluralidade do ser! - Contanto que não nos encham o saco, regrinha básica para a boa convivência.

Tal encadeamento de ideias foi engatilhada por um singelo filme experimental Holandês chamado LelleBelle.

Não sou cinéfilo e tampouco saberia classificar qual é a deste filme. História previsível, na verdade uma bela diversão em uma sessão Coca Cola & Pipocas quando não se espera nada ou na falta de algo melhor para se fazer. No entanto existe as entrelinhas; estas, tão subjetivas que não ouso dizer o que se passou pela cabeça das diretoras Mischa Kamp ao decidirem filmarem isso.

E são justamente tais entrelinhas que me fizeram retomar tais questões relacionadas a essência do que é a música e o ato da sua produção enquanto não comércio.

LelleBelle embora um filme previsível com uma fotografia bonita e atores tanto quanto; possui uma intertextualidade interessante. Música & Sexo.

Um aviso: Existem cenas explícitas neste filme. Embora todas bastante contextualizadas, naturalmente os mais puritanos tenderão a se chocar, como o fizeram em “O Anticristo” ou então “Lie with Me”. Particularmente não me incomodo.

Retornemos ao que me intriga. A intertextualidade Sexo & Música.

Sábia a decisão da direção manter a distancia os diálogos das cenas relacionadas a música e as cenas relacionadas ao Sexo. De tal maneira, temos uma espécie de tríade em que cada um dos elementos influenciam uns aos outros sem jamais interagirem de maneira direta, objetiva. Cria-se assim elementos que se relacionam-se uns aos outros, mas não caem no pastiche de um filme erótico por exemplo. Não posso dizer se a interpretação minha para o filme é a correta visto que foi a leitura que tive da obra. Mas me faz sentido.

A excitação que a violinista interpretada bela atriz Anna Raadsveld sente em determinadas situações e que é gatilho para a realização de algumas performances dignas de aplauso – ao menos no filme - possuem de fato uma mensagem bastante forte: Música deve ser excitação. Música tem mais a ver com sexo do que com arte. A música enquanto execução é passional. E a falta da passionalidade é a mecanização da música. E a música mecanizada não é música. (existem discussões a respeito, lógico.)

E eis a sina da personagem Belle neste filme: O amadurecimento de uma jovem violinista cuja única paixão é a música; com pretensões de ingressar em uma famosa academia de música, tem seus esforços minados pela sua própria frigidez em relação a própria vida e relações interpessoais.

A evolução de Belle enquanto violinista está atrelada a suas próprias vivências; varias delas calculadas mas sem o resultado esperado, que a leva a uma montanha russa ora dramáticas, ora cômicas. Não impressiona; tal montanha russa é a parte previsível do filme. Lembrem-se do que disse acima. Impressiona as entrelinhas, para quem puder de fato captá-las.

Um filme excitante pelas cenas. Conteúdo inusitado para aqueles que querem observar a dinâmica entre músico & instrumento e são intrigados por isso.

Sexy.

Muito sexy.



LelleBelle - Trailer











Aos que desejarem conferir...
(Legendas em Inglês)

http://www.filesonic.com/file/60258311/Lellebelle_2010_DVDRip_with_E-Sub.part1.rar
http://www.filesonic.com/file/60258289/Lellebelle_2010_DVDRip_with_E-Sub.part2.rar
http://www.filesonic.com/file/60258787/Lellebelle_2010_DVDRip_with_E-Sub.part3.rar
http://www.filesonic.com/file/60254567/Lellebelle_2010_DVDRip_with_E-Sub.part4.rar
http://www.filesonic.com/file/60258436/Lellebelle_2010_DVDRip_with_E-Sub.part5.rar


domingo, 23 de janeiro de 2011

O Segredo de Beethoven.




"O Freunde, nicht diese Töne!
Sondern laßt uns angenehmere
anstimmen und freudenvollere.
Freude! Freude!"


No cinema, a vida da mente muitas vezes se transforma num pirão e histórias sobre gênios parecem ser terrivelmente estúpidas. Um filme parece ter tanta firmeza sobre a realidade exterior que o mundo interior da criação é simplesmente demasiado misterioso e indescritível.

O ano é 1824,e este filme de época nos leva ao fim da vida deste grande homem. Particularmente, Beethoven é um compositor muito talentoso, que me agrada muito com suas composições e também por sua história de vida e superação, afinal, uma surdez aos 24 anos poderia significar o fim da carreira de alguém que compõe. Depois de enfrentar um longo período de ostracismo, ele pretende fazer uma volta triunfal e, para isto, está escrevendo a Nona Sinfonia. Sua limitação auditiva o faz com que precise de ajuda, mas seu assistente que o acompanhou durante vários anos está doente e não tem condições de continuar trabalhando. É aí que entra Anna Holtz (Diane Kruger), uma ousada e talentosa estudante de 23 anos. Devido ao seu talento ela é indicada para trabalhar com ele, mas, ele acaba repelindo aos seus serviços (como se ser mulher fosse um crime, ou como se fossemos incapacitadas de algo). É aí que entra uma grande polêmica, o preconceito contra o sexo feminino, que vem desde épocas remotas até os dias atuais.

O filme não é totalmente real, há muita ficção em toda história. Vemos pela personagem Anna Holtz que foi baseada em dois dos copistas masculinos de Beethoven. Ela foi criada, pois em parte, uma história ‘de amor’ ajudou a financiar a produção. Isso até que me é plausível, pois um filme sobre um gênio irritante macho e seus assistentes do sexo masculino seria um pouco tedioso... Qual seria a graça se não houvesse dois opostos se colidindo? Aos poucos ela vai conquistando o grosseiro mestre e adquirindo uma profunda admiração dele.



Em um apartamento mal iluminado, ao meio de ratos, cascas de ovos, penicos transbordando, ele compõe, ela copia. Ela o desafia mostrando toda sua sensibilidade musical, e todo seu talento. Ele acaba a aceitando, criando um forte vínculo entre os dois.




O roteirista Stephen J. Rivele, que escreveu “Copying Beethoven” juntamente com Christopher Wilkinson, explicou que a idéia do filme originou-se com Anthony Hopkins, que posteriormente optou por não assumir o papel. Ed Harris é um ator que pode mostrar na pele do personagem suas tempestades e recolhimento, ele veste Beethoven com uma turbulência violenta que às vezes inunda a sala, e às vezes a recolhe, onde ela ferve interiormente (suas sobrancelhas escuras e seu olhar furioso nos denunciam). Esta não é uma fúria narcísica do gênio, mas sim as agonias de um homem que vive totalmente sozinho em sua cabeça.

Se percebe que apesar de toda sua frieza e grosseria, Ludwig van Beethoven tem um lado totalmente sentimentalista. Ele é mais um ser humano incompreendido e mal interpretado. Ninguém faz um discurso sobre o underground psicológico, mas você nem precisa ouvir o compositor descrevendo seu amor e sua dor, você vê e sente.

É bem interessante, mas, a apresentação da Nona é uma das únicas razões a se assistir o filme. A orquestra que vemos é a Kecskemet Symphony Orchestra, mas o que ouvimos é uma gravação de 1996 de Bernard Haitink conduzindo a Royal Concertgebow Orchestra. Os puristas podem se opor a esta estratégia do cinema, mas isso se passa despercebido. O contraponto visual com a música é de encher os olhos e os ouvidos. Todos os focos da câmera, as explosões de sentimentos e emoções que a sinfonia nos trás é indescritível. 

Rápido comentário sobre a nona: A nona sinfonia de Beethoven incorpora parte do poema An die Freude ("À Alegria"), uma ode escrita por Friedrich Schiller, com o texto cantado por solistas e um coro em seu último movimento. Foi o primeiro exemplo de um compositor importante que tenha se utilizado da voz humana com o mesmo destaque que os instrumentos, numa sinfonia, criando assim uma obra de grande alcance, que deu o tom para a forma sinfônica que viria a ser adotada pelos compositores românticos.







Sou suspeita a falar, pois é uma das minhas sinfonias prediletas e, foi um filme que assisti mais de uma vez... E, vale à pena pois nos enche os olhos e ouvidos.
Espero que gostem!

domingo, 26 de dezembro de 2010

Violinos, Cello, Rock Pt. 26 - Beirut

Considerando que ando realmente vagabundo para postar alguma coisa por aqui – ando priorizando minhas anotações em forma de “diário de bordo” que não o blog, temporariamente; posto aqui uma banda bem legal que preciso escutar com mais calma. Na verdade conheci ontem a noite; grato a Amaranta por cruzar o Atlântico e me encontrar em Frankfurt para me apresentar isso.


Texto & link; créditos ao blog “Feijão Tropeiro Musical”.


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Em seu segundo lançamento, Zach Condon permanece perambulando pela musicalidade impar de uma Europa perdida na memória, mas desce dos Bálcãs para a Europa ocidental, e senta-se para admirar uma corrida de balões de ar ocorrida na Paris do início do século 20. E dá-lhe chanson francesa entoada entusiasmadamente em formato novo pop – a influência central do álbum é a obra de Jacques Brel, mas namora também a classe do Magnetic Fields, projeto do multi-instruementista Stephin Merritt, sem abandonar a sonoridade cigana da estréia.


Viola, acordeom, bandolim, trompetes, flugelhorn e orgão criam um clima tão rico de sons e imagens que é difícil não se apaixonar e/ou não se perder por The flying club cup. Da voz de Zach Condon escorre uma poesia melancólica que comove enquanto conta a história de uma paixão proibida de um tempo qualquer (existem paixões proibidas hoje em dia?) que pode causar o enfrentamento de duas grandes famílias (nem Montechios nem Capuletos, mas poderiam ser estes os personagens) e colocar a perder a organização de uma corrida de balões.


"Nantes" abre o disco (após os 18 segundos de "A call to arms") de forma quase desorganizada, como se o Beirut fosse uma orquestra de rua. Da voz de Zach escorre saudade e tristeza: "Já faz muito tempo que eu vi você sorrir", canta o jovem que só vê um sentido na noite: chorar. "A sunday smile" narra uma das paisagens mais deliciosas de se ver: um cachorro deitado na sombra lambendo suas feridas em um dia de domingo. A conquista segue em "Cliquot", cujo personagem pergunta no refrão empolgante: "Que melodia levará minha amante para a cama"?


A musicalidade do Beirut não é algo que desce fácil a ouvidos acostumados com o clássico pop britânico (digerido e devolvido com poucas variações pelos norte-americanos) dos últimos quarenta anos. Porém, para brasileiros acostumados com a delicadeza da bossa nova, com os acordes dissonantes da tropicália e com os tambores de maracatu do manguebeat (e, por que não, com a influência latino-caribenha do reggae e do calipso na axé music), o Beirut é uma surpresa de final de noite, quando após noites em claro estamos prestes a dormir, e a sonhar, e nos deparamos com o último acontecimento, aquele que vai dar o tom do sono – e dos sonhos.


A orquestra cigana de Zach Condon dá vida a uma arte que – cada vez mais – se ampara na reciclagem e na repetição. Acompanhado de músicos tão jovens quanto ele, este garoto de 21 anos de Albuquerque, nos Estados Unidos, não se prende a uma corrente pop, ao contrário, navega solitário por terras quase desabitadas desse mundo velho sem porteira. Seu passeio musical em um balão rende um repertório cuidadoso de 13 canções inspiradas e inspiradoras que servem para fazer a alma do ouvinte – afogada na desilusão de uma música pop que padece de criatividade – respirar novamente enquanto observa a lua velejar nos olhos da amada.


Para ouvir sem piscar.