terça-feira, 23 de junho de 2009

Estreando - A Partida/Okuribito





Bem, quem estreia aqui sou eu, neste lindo blog, e não o filme acima. Este já está em cartaz há semanas no Brasil, e ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro este ano, além de outros prêmios notáveis. Como já é de conhecimento de muitas pessoas que leram a respeito ou viram essa preciosidade japonesa, o filme mostra a transformação profissional, social, e por fim, interior, de um violoncelista que se vê sem emprego e sem seu belo cello de 18 milhões de ienes ainda não pagos quando a orquestra onde trabalha se encontra dissolvida. Precisa entregar o instrumento e decide ir para o interior, para a casa de sua falecida mãe, numa cidade simplória onde o melhor emprego disponível faz do fino músico um pária: ele começa a trabalhar numa espécie de agência funerária e seu trabalho é limpar e arrumar, maquiar e dar dignidade a pessoas mortas antes que sejam colocadas em seus caixões, para serem veladas por seus parentes.

Do início em que sente náusea e medo de ter contato constante com cadáveres, o protagonista chega a reencontros consigo, com o renegado violoncelo (encontra um instrumento pequeno que usava quando criança, e é este que usa durante sua jornada de redescobertas e de abertura da sensibilidade, é este o instrumento que melhor irá falar pelo processo de humanização que atravessa, não com peças complexas, mas com simples melodias e o belo tema do filme, nada mais simples, tocante e... japonês), e mesmo ao perdão. Quem assistir a esta maravilha de sensibilidade vai inevitavelmente terminar com lágrimas nos olhos, ternura sem exageros e muita reflexão.

Com frequência, e não é a primeira vez em que isso é tratado em livro ou filme, uma vida idealizada de glórias é a mais inexpressiva, quando tudo parece funcionar, eis exatamente o caminho do oblívio. Já vimos muitos heróis e personagens abandonarem vidas de futuro certo e cheias de prestígio por destinos aparentemente simples, ou mesmo baixos, que levarão a um grande destino, com uma riqueza interior e uma dignidade dos quais nossos heróis não abdicarão pela vida anterior. Uma vida terna e livre, uma vida de acordo consigo. Uma vida que não presta contas a ninguém. Há uma frase de Henry David Thoreau, meu pensador favorito (ainda vou falar muito dele aqui, talvez seja uma boa ideia criar um marcador...):

"I once had a sparrow alight upon my shoulder for a moment, while I was hoeing in a village garden, and I felt that I was more distinguished by that circumstance that I should have been by any epaulet I could have worn."

Algo como: um dia um pardal pousou nos meus ombros por um instante, enquanto eu perambulava por um jardim da vila, e senti-me mais distinto por aquela circunstância do que por qualquer manta de honras ou beca que jamais usei.

Mas um trecho do filme em particular chamou-me a atenção, e acho que é o coração de toda a trama, e da obra de arte realizada. Está no Tube, e não há prejuízo em assisti-lo sem ter visto a película, podem confiar... antes, algumas observações que me levam a escolhê-lo. É Natal e o jovem ex-cellista se vê sem amigos e sem mulher, vira um renegado por causa do seu suposto "espúrio" trabalho, e resolve passar a noite feliz com seus comparsas de solidão, os únicos que encontram honra em tocar e tratar com dignidade os corpos dos que partiram. Após uma sessão de comelança, a falsa alegria que os cerca é penetrada pela pequena peça tocada no violoncelo, de criança, e uma ternura e melancolia cheias de grandiosidade toca os que antes estavam mergulhados em esquecimento. Daí vem a sequência com a clara descoberta e aceitação de sua posição no mundo, com as cenas do jovem tocando o cello sozinho e observando os parentes dos mortos. Nada mais sensível, nada mais simples, nada mais japonês.



Está aí minha recomendação do momento. Sorte de quem lê que não estou com uma taça de vinho aqui, senão este texto teria quatro vezes o tamanho atual... ainda é muito cedo para beber, estamos no meio da tarde. Afinal, alguma moral sempre fica... neste caso foi da cristã que ainda não me livrei, arre...

Até.

2 comentários:

Lucia disse...

e deposi dele próprio ter aceito a sua vida e passado a respeitá-la como ela merece, ele ganhou a aceitação e respeito dos outros quando eles puderam presenciar o respeito com o qual ele vivia. foi lindo.

Braulio Freire disse...

Parabéns pela síntese.
Expressou bastante o sentimento que ele passa. um misto de melancolia e alegria.
ötima estréia.