sexta-feira, 25 de abril de 2008

"O Cellista de Sarajevo"

As pessoas que me conhecem, sabem de minhas opiniões um tanto quanto radicais acerca alguns temas em se tratando de Brasil e da pouca vergonha que impera por aqui, quando o assunto envereda para questões ética e valores, por parte das pessoas em geral. Alguns já me mandaram tomar no cú por dizer que o que este país precisa na realidade é uma tragédia, sentir o peso de uma guerra de verdade. Reafirmo minha opinião de que isto com certeza ajudaria a vários “cérebros” mesquinhos, provincianos e que se julgam o ápice da perfeição humano-social; a entender que se todos nascem de forma igual, todos morrem da mesma forma; seja em um leito de hospital – entupido de anestésicos - ou seja em uma trincheira – desmembrados e sentindo o que é “estar vivo” através da dor.

Procurando não utilizar as já famosas frases feitas, mas é bem verdade o que dizem, é na guerra – bem disse o filósofo – que o melhor e o pior do ser humano vem a tona.

Aproveitando o gancho e deixando de lado um pouco a bile que anda impregnando minha alma nos últimos tempos, opto por “mudar de lado” e narrar um fato que passou quase despercebido durante a guerra na Bósnia-Herzegovina, e que mostra um pouco do potencial humano para o “bem” por alguns poucos seres iluminados que existem neste mundo.

"Crazy" - Seal; Imagens: Sarajevo under Siege

Durante a guerra na antiga Iugoslávia, em 6 de Abril de 1992 a cidade de Sarajevo foi cercada pelas forças Sérvias, no que veio a se tornar o maior cerco a uma cidade já acontecido na história das guerras modernas; uma guerrilha que perdurou até 1995, quando cessaram-se as hostilidades.

Após o início do conflito, um Violoncelista chamado Vedran Smailović, assim como outras centenas de milhares de pessoas; sobreviveram ao frio intenso, racionamento de água e comida bem como os constantes bombardeios à cidade e tiros de “Snipers” nas ruas da cidade sitiada.

Smailović era conhecido por suas brilhantes atuações na Opera de Sarajevo, na Orquestra Filarmônica de Sarajevo bem como no Teatro Nacional; mas sua fama “mundial” se projetou durante a guerra, quando, apesar do fogo cruzado e risco de ser atingido por atiradores de elite das forças Sérvias, ele diariamente ia às rosas de Sarajevo – cicatrizes no concreto causadas por explosões de morteiros que deixavam um padrão em forma de flores, e; caso as mesmas ceifavam a vida de alguém, eram preenchidas com resina e pintadas de rosa como uma homenagem – e tocava seu Cello.

Outro fato pelo qual ele era conhecido, era quanto à suas freqüentes idas aos cemitérios em Sarajevo para tocar durante os enterros; naquele momento, ocasiões de extremo perigo, pois as forças Sérvias tinham por hábito atacar os civis com atiradores de elite durante tais cerimônias – não devemos nos esquecer uma das principais motivações desta guerra, as diferenças religiosas existentes entre os envolvidos.

Mas, a história mais marcante relacionada ao Sr. Smailović, foi quando um morteiro atingiu um grupo de pessoas que estavam em uma fila para comprar pães, em um estabelecimento comercial em frente à sua casa. Neste episódio, 22 pessoas perderam suas vidas, algumas simplesmente tiveram seus corpos desintegrados pela explosão, o que deixou uma grande cratera no local. Entre os mortos e feridos, haviam vários senhores de idade, mulheres e crianças, muitos dos quais, amigos de Smailović. Naquele dia, como se para honrar as almas que se perderam, o Violoncelista decidiu tocar ao lado desta cratera no início, por 22 dias seguidos, todas as tardes em homenagem aos mortos. Após, ele continuou tocando por quantos dias, aquela guerra ainda causassem vítimas...

A estória real deste homem hoje mistura-se com lendas, muitas das quais não são possíveis de se verificar a veracidade; como a que diz que durante os bombardeios noturnos Sérvios à Sarajevo, Smailović ia com seu Cello as ruínas da antiga fonte central da cidade, e executava peças centenárias de Mozart, Bethoven e Bach. Gosto de pensar exatamente neste ponto sobre a diferença cultural existente entre nós, ocidentais do mundo novo; e os ocidentais do velho continente...

Particularmente, as pessoas aqui deste lado do hemisfério tendem a encarar as artes como manifestações de luxo e status, quase uma coisa frívola; salvo raras exceções. Mas, para os Europeus em geral, a imagem que fazem das artes é de que em determinado momento, elas nos fazem lembrar de nossa humanidade inata, mas por muitas vezes esquecida...

Smailović conseguiu escapar da cidade sitiada em fins de 1993, e seus atos inspiraram a imaginação de muitos ao redor do mundo. O compositor David Wilde compôs uma peça para Cello conhecida por “O Cellista de Sarajevo” em uma homenagem a ele, e que posteriormente foi gravada por YoYo Ma. Entre outros que tiveram inspiração nesta história, temos o produtor e co-compositor da banda Savatage, com seu formidável álbum “Dead Winter Dead”, principalmente nas músicas Christmas Eve/Sarajevo 12/24, bem como o cantor folk John McCutcheon, compondo a música “In the Streets of Sarajevo”

Hoje, passados quase 16 anos destes acontecimentos, é interessante percebermos sua coragem em realizar tais atos, bem em como ele decidiu protestar contra os absurdos que ocorreram nesta guerra. Sua resposta, foi talvez fora a mais sensata que já houve na história da humanidade em períodos de guerra... Responder à violência, com a harmonia da música. A única resposta razoável a uma guerra, é a harmonia...

Atualmente, Smailović vive na Irlanda do Norte, e participa de inúmeros projetos musicais eruditos, bem como a promoção de ONG’s voltadas à ajuda humanitária a regiões que sofrem com as agruras das guerras, sejam estas por quais motivos forem...



Imagem acima:

Link Clip: "Siege of Sarajevo Memorial" - sob a música "Christmas Eve/Sarajevo 12/24," - Savatage



Me irrita certos artistas oportunistas que visitam lugares em que ocorrem desastres humanos. Este é o caso do vídeo acima, cuja autoria, Sra. Joan Baez, não teve o mínimo descaramento em colocar uma música de sua autoria como trilha sonora. Mas o clip tem seu mérito, pois no final do mesmo, aparece Smailović em uma das únicas imagens suas existentes em filme, durante a guerra.





Um comentário:

Anônimo disse...

oi! amo cello e amo musica! muito bom post!
bjuuus!