sábado, 26 de junho de 2010

Emilie Autumn / Era Vitoriana – 'Artes' e discursos de venda.


Existe toda uma infinidade de pequenas pérolas do mundo musical que costumam transitar elo meu Ipod todas a vezes que coloco-o para sincronizar com meu PC.

Pequenos pois expressivamente, costumam localizar-se muito aquém de musicistas de maior talento em se tratando de musicalidade e concepção de obra. Pérolas pois ainda assim enquadram-se em um patamar de uma genialidade latente e conseguem trabalhar toda uma aura ao seu redor, criando, cativando e posteriormente alimentando uma hoste de fieis séqüitos; ávido publico consumidor com uma linha trabalho inusitada, totalmente fora do convencionalismo.


A tempos que penso no esboço uma resenha destas e apenas agora sinto-me confortável o suficiente para fazê-lo - Uma breve porém lúcida correlação entre artistas, artes, discurso e marketing visando a venda e a confusão e frenesi que tal causa na cabeça dos pequenos fãs mais extremistas.


Julgo Emilie Autumn um ótimo exemplo de uma pequena centena de musicistas que adotam e fazem uso de um discurso que objetiva o puro entretenimento musico-teatral, aliado ao livre prazer de construir, deturpar e desconstruir ideias e imagens provenientes de uma mitologia comum que quase nunca correspondem à realidade objetiva.


Uma das premissas em que se apóia toda a obra da musicista em questão – novamente, chamo a atenção para o fato de tratar-se de apenas um exemplo entre vários – é a forte influência de sua vida privada bem como igualmente forte inspiração em uma 'suposta condição feminina' durante a era Vitoriana Britânica como bases de sustentação e coesão para o seu trabalho. Ao meu ver, excetuando-se a função puramente recreativa, de resto basicamente visualizamos um enorme construto marketeiro visivelmente direcionado a um pré determinado publico consumidor desde a sua concepção até o fim; isto é, a comercialização do produto-arte.


Dando os nomes aos bois: Governada pela Rainha Vitória entre 1837 e 1901, a concepção de “Era Vitoriana” é restrita a um período histórico interno do império Britânico. Marcada por uma certa paz aparente, desenvolvimento industrial calcado na força motriz baseada no vapor, constantes novas invenções, observou-se a expansão do Império, bem como uma expansão interna de uma parcela significativa da classe média. A estes fatores - principalmente o acesso a educação – comumente dá-se a Era Vitoriana uma roupagem de modelo de sociedade bastante liberal dentro de seus usos e costumes.


No entanto, em sentido oposto ao descrito acima, sabe-se que outras características foram bastante marcantes neste período histórico: Uma sociedade marcada pela austeridade, formalidades excessivas e frivolidade exacerbada. Nos recônditos da cultura Vitoriana, também tais usos e costumes possuíam seu caráter pérfido; o enorme desprezo ao vício em todas as suas manifestações bem como o sexo. De fato, este provavelmente era o maior tabu a ser considerado nesta época, o lugar comum a ser assumido e desempenhado socialmente pela mulher; dona de casa e submissão à hierarquia sexual. Isto é, embora o caráter liberal de nossa sociedade atual, os avanços na questão submissão e hierarquia sexual ainda são temas controversos em várias partes do mundo.


Esta é a concepção romantizada e é dela que costumam derivar vários gêneros contemporâneos de cultura de nicho - ou cultura underground - tanto musicais quanto em outras formas de expressão comumente adotado pelos jovens: Citando um exemplo, temos o movimento Steampunk; que engloba vários dos elementos citados acima, tanto na questão estética bem como visão de mundo.


O fato ser uma visão romantizada das coisas é relativamente óbvio, e justamente por tal obviedade tende a passar totalmente despercebido as vistas de quem costuma se identificar com períodos históricos há muito encerrados: Citando Neil Gaiman – embora romancista, possui umas sacadas geniais em seus trabalhos – '(…) o primeiro erro é a falta de merda. Ora, é isso que as pessoas costumam esquecer sobre o passado. Toda a merda. Merda de animais. Merda de gente. Merda de vaca. Merda de cavalos. Era merda até as canelas. (…) piolhos, lêndeas. Câncer apodrecendo os rostos. Qual foi a ultima vez em que viu alguém com um tumor gigantesco no meio da cara? Hã? Exato'


Extremamente articulada e possuidora de uma inteligência impar bem como senso artístico bastante definidos, não é tarefa fácil analisar Emilie Autumn de maneira isenta, objetiva, e revela-se ser tarefa bastante complicada a tentativa de definir quais os limites de seu discurso que são ficcionais e quais os que são de fato, reais. De fato é comum em dias de hoje a tendência de certos artistas em seus diversos campos de atuação a tendência a elevar sua vida pessoal para o 'status' arte. Assim, novas e interessantíssimas duvidas surgem durante o processo de análise: 'o que é arte?' ou ainda; 'qual os limites da produção artísticas e vida privada?' e além; 'qual a função social das artes' nos dias de hoje?


A vida privada do artista enquanto motor de impulsão e alimento para a produção artística ou a utilização da mesma como lente interpretativa para a realidade e após, transformada em arte não só é aceitável bem como desejável. De fato, existe aí uma das essências do 'ser artístico'.


Mas existe a subjetividade, a classe, a elegância. E justamente estes quesitos aparentemente são deixados de lado por tais artistas. A capacidade de trabalhar as entrelinhas, o “instigar” a novas percepções que não são claras em um primeiro momento, apenas após uma reflexão da obra em si e não da imagem e imaginário que rondam o artista. Eis aí uma das respostas às perguntas propostas acima: Uma das funções da arte enquanto veículo informacional é a sua vocação e inclinação naturais a isenção e relativa independência do aparato de marketing; que a saber, é um dos pilares de sustentação de todo um sistema de estruturação social em um sentido amplo do termo. É a capacidade de afrontar o óbvio. De levantar questões. De desafiar o status-quo. E, naturalmente, rebelar-se contra um sistema de crenças e valores. A arte se alimenta do desarranjo do mundo através das lentes interpretativas de quem a produz. A arte em seu estado bruto, tende a barrar o marketing.


Comportamentalmente, ora, ninguém é 'cool' por escutar este ou aquele musicista. A vida cotidiana e dramas pessoais de ninguém é 'cool'. E se Emilie Autumn passou por uns tempos em uma instituição psiquiátrica tampouco isto pode ser considerado mérito de qualquer espécie. O que reforça minha tese de que a produção inteira da Emilie Autumn de fato é apenas mais um produto essencialmente destinado a um público caracterizado por comportamentos e identificações socialmente desviantes, tendo tornado-se mero assessório agregado a para fins de identificação coletiva. Ora, Alice Cooper assim o fazia na década de 70 e até hoje o faz com o mesmo sucesso, e de maneira muito mais sincera, convincente e em vários aspectos; mais fluida e orgânica do que Emilie Autumn.


A despeito da aparente sensação de estarem sempre a margem de um sistema, é óbvio que - embora em um nível não mainstream - tal público ainda assim se encontra perfeitamente dentro dos ditames tradicionais de valores pregados pela mesma industria que diz o que deve almoçar, vestir, assistir e ainda se preocupa com o bom funcionamento de seu intestino. Activia que o diga!


Não é nenhum segredo que este é outro artifício comum dentro do marketing: A manipulação da eterna roda da interrogação da significação social bem como sensação de pertencimento a determinado grupo social exclusivo em algo. E, este é um outro ponto interessantíssimo. Podemos dizer com certeza que Emilie Autum é uma daquelas artistas que transitam em um meio multimídia com conforto e maestria, alimentando seus fãs com uma – relativa – produção musical calcada na teatralidade, notas biográficas em forma de textos, poesias - embora existam sérias dúvidas quanto à qualidade literária das mesmas - e sua própria imagem; o carro-chefe de sua própria alegoria marketeira criando assim, justamente esta tal sensação de pertencimento.


De fato, dentro de determinados grupos sociais que sabidamente o quesito “imagem” é mais importante do que o “discurso” e “produção artística”; freqüentemente observa-se a enorme confusão em que os fãs são sujeitos ao serem expostos a produção artística, confundindo e muitas vezes até mesmo substituindo a obra como objeto de análise e reflexão, pelo próprio artista!


O que nos leva a um segundo ponto não menos importante: No quesito estético-musical, penso que é por demais necessária a separação da noção textual “pseudo” vanguardista, 'pseudo' alternativa, para assumir a posição e função de veículo desestabilizador do sujeito comum. O 'pseudo' drama pessoal deve ser deixado de lado para a ‘arte’ finalmente possa englobar o todo e assumir a experiência representativa das grandes artes. Do contrário, não será arte digna, será o objeto-arte descartável.


Uma coisa que costumo enxergar com certa tristeza em se tratando de tal processo de marcantilização das várias formas de expressão artística, é como o marketing se apossou do próprio ânimo revolucionário que é parte importantíssima da essência do “ser” jovem. Não rebela-se hoje em dia de outro modo, que não calçando um par de All Stars ou pintando os cabelos de rosa. Não rebela-se de outro modo que não através da identificação com uma artista ou persona multimídia.


E, é com esta mesma tristeza que costumo hoje conversar com alguns admiradores que estão direta ou indiretamente envolvidos com a produção artística em si e percebem que a experiência tende a escancarar a realidade.

Percebemos que - seja a música ou seja qualquer outra forma de expressão artística -

ao passar pelas engrenagens da mercantilização, o subproduto nada mais é do que mostra clara de que caminhamos para o extermínio de espécie, uma forma de genocídio mental, espiritual e criativo. Tornou-se comum perceber como o brilho da genialidade criativa acaba se perdendo dentro do trânsito da significação subjetiva de sua obra até o seu destinatário final, os consumidores de seu produto. E este é infelizmente o caso da Emilie Autumn..


Enquanto a (im)possibilidade do grande romance contemporâneo, teremos a multiplicação de impressões pessoais disfarçadas de arte, em grande parte, movidas por aquela sensação de luto e nostalgia de tempos mais propícios a produção cultural e artística genuína..



Para os marmanjos de plantão: Ensaio Emilie Autumn para a ‘Bizarre Magazine’































5 comentários:

Nathalia disse...

Ótimo texto Andreas! É uma realidade na qual a maioria dos fãs fanáticos não enxergam, e isso faz perder toda a beleza da arte. Lamentável... rs.

Um beijo!

Anônimo disse...

Vejamos,
Postei este texto no sábado; estamos na terça feira e até o momento não apareceu nenhum fã para dizer o quanto eu viajo na maionese e só falo besteiras... rs
Ótimo isso... rsrs

Cecil disse...

Nenhum fã ardoroso vai vir aqui dizer isso, Andreas. O texto é inteligente e sutil, fala de coisas muito mais amplas, e nenhum destes fãs teria cérebro o bastante para perceber que você esteve falando "mal" da diva (aliás, bizarro é pouco, que nojo essa foto com o rato, tadinho...detesto ver perversão com os animais, mesmo os de esgoto) deles. ;)

Verdade... estas figuras todas estão prontas para agradar os paladares de grupos sociais bem definidos. Por isso há artistas que não tẽm essas legiões e são grandes, pois passaram no teste da criação de seitas... Bob Dylan, Joni Mitchell, etc.

bjs

Anônimo disse...

Fora que - cá entre nós - chamar alguém ou ser chamado de "Muffin" é algo deveras esquisito...
Sei não... rs

Jess~ disse...

Pra começar: Steampunk é meramente visual.
E amigo, desculpa te decepcionar mas tudo é marketing. Seja lá qual for a tua banda preferida, tudo que eles fazem gira em torno da grana que eles querem no bolso deles.
Nem aquele cara sem teto que toca sanfona no meio da rua pra ver se descola uns trocados quer saber da sinceridade da música dele... Ele quer saber dos trocados.
E muffin é um bolinho, não tem mistério. Deveras esquisito é vocês verem perversão onde não tem. Fim.