terça-feira, 20 de julho de 2010

Bright Star




Bright star, would I were stedfast as thou art--
Not in lone splendour hung aloft the night
And watching, with eternal lids apart,
Like nature's patient, sleepless Eremite,
The moving waters at their priestlike task
Of pure ablution round earth's human shores,
Or gazing on the new soft-fallen mask
Of snow upon the mountains and the moors--
No--yet still stedfast, still unchangeable,
Pillow'd upon my fair love's ripening breast,
To feel for ever its soft fall and swell,
Awake for ever in a sweet unrest,
Still, still to hear her tender-taken breath,
And so live ever--or else swoon to death.

John Keats



Eis o retorno triunfal de Jane Campion, a diretora e roteirista que quase foi a primeira mulher a ganhar o Oscar de melhor direção pelo perfeito "The Piano" nos anos 90 (muito mais merecido do que o de Ms. Bigelow por "Guerra ao Terror", um filme que esqueceremos em alguns meses). Campion estava sumida. Fez alguns curtas e filmes não muito bem recebidos como o duvidoso mas interessante "Em Carne Viva" com Meg Ryan, e agora ressurge como a talentosa cineasta que amamos, com sua sensibilidade grandiosa e universal mas ao mesmo tempo profundamente feminina. Digo isto porque creio que Jane Campion seja uma das poucas artistas que produzam obras especiais, e uma de suas características é que apesar de universalmente apreciável e sensível de forma ampla e humana, pode-se dizer que um homem não faria um filme como os dela. Pode fazer pior ou melhor, mas não exatamente como ela faz. A visão de Campion é feminina não somente por ela ser mulher, mas por ela derramar uma visão feminina de uma certa forma que mesmo outras mulheres não conseguem. Ela deixa sua marca sutilmente, a abordagem da poesia no filme é feminina, é de uma mulher inteligente, e cuja idade ou maturidade não é revelada, mas talvez este seja o eterno feminino que escritores machistas de todos os tempos tentaram defiir de forma pejorativa, e nunca realmente entenderam do que se tratava, como ocorre a um dos personagens de "Bright Star", a nova obra de Ms. Campion.

O filme de Jane Campion, há pouco tempo nos cinemas brasileiros e certamente sem muita promessa de arrasar os quarteiroes arrasados por "Eclipse" e sua horda adolescente, trata do Amor na sua forma mais sublime, pura, do grande amor, e sua forma de anjo não é menos avassaladora, porque promete a Eternidade. Conta o fim da curta vida do genial poeta inglês John Keats, que mesmo tendo desaparecido nas sombras deste mundo aos 25 anos, tornou-se uma das mais brilhantes estrelas do céu do Romantismo na literatura britânica e de todos os tempos. Tudo nele é grande e belo, mas suave e terno. O tempo passa lentamente, apesar da pouca idade dos protagonistas. Eles são os eternos amantes. Não há sexo nem qualquer insinuação desta possibilidade. Afinal, estamos no início do século XIX, e naquele tempo amores eram proibidos por menos, como o fato do amante ser um pobre poeta sem renda ou meios de sustentar esposa e filhos. As pessoas morriam de tuberculose. Levantar a saia era uma devassidão sem nome. Por isso as paixões tinham chance de serem estes sonhos de verão que levavam poetas à loucura, donzelas ao suicídio, e as promessas era eternas.

As cenas trazem o cuidado particular com a luz e a delicadeza exigida pela história (real), o que se transpõe em momentos de passeios tranquilos em campos de lavanda, repousos sobre copas de árvores centenárias, caças a borboletas, crianças que se assemelham a anjos, e uma seriedade que somente poetas conhecem na imortalidade de suas solidões ao mesmo tempo efẽmeras. Tudo o que é belo e verdadeiro é efêmero, é passageiro, vai morrer, é o que ensina este filme. A eternidade está contida numa semente de trigo. O verão se transforma em triste gelo, a xistência torna-se uma lembrança na madrugada. O enorme prazer se transforma em lágrimas. Mas quem deseja uma passagem segura e amarelada por este mundo? Melhor uma morte aos 25 anos carregando-se na barca de Caronte a memória e o desejo do grande amor, do que um envelhecimento vazio e auto-contido.

A música é de particular importância, mesmo que menos do que foi em "O Piano", quando a trilha foi criada pelo grande mestre minimalista Michael Nyman. Os momentos mais delicados sofrem pequenas intervenções de um cravo, ou de cordas hesitantes. Mas o aparecimento da versão em "orquestra humana" da Serenata No 10 em Si Bemol Maior K 361 de Mozart é de vital impacto. Somente Mozart possui tamanha inocência e grandeza pra intervir numa história onde tudo possui, como as frutas no outono, um tempo correto para amadurecer, onde o tempo passa tão devagar e delicadamente com a intensidade de uma tempestade, quando parece que nunca veremos o sol, ou quando o verão está em seu auge, e pensamos que nunca mais saberemos de novo o que é o deleite de dormir numa cama quente num noite gelada. Como tão bem é citado na película,

I almost wish we were butterflies and liv'd but three summer days--three such days with you I could fill with more delight than fifty common years could ever contain.

- John Keats, Letter to Fanny Brawne, July 1, 1819

Destaque seja dado, entre todas as cenas de mais absoluta beleza, para Fanny e seus irmãos com dezenas de borboletas dentro do quarto. É completamente inesquecível.



O amor perfeito existe, mas está apenas disponível para quem tem o coração tão livre como um bebê, e está disposto(a) a perdê-lo nas pedras, ventos e escuridão do tempo que galopa. O personagem machista que citei no início é o melhor amigo de Keats, que deseja a todo momento condenar as mulheres e sua suposta futilidade. Aqui entro com uma comparação. Seu amigo é a personificação do excessivo racional que luta contra seus próprios desejos e por não ter maturidade nem grandeza, acaba sujando-se ainda mais na lama, condena-se por reprimir sua alma de forma tão mesquinha e infantil. São os que frequentemente vivem do status e do intelecto, de alguma forma de poder, e se sentem vivos e superiores porque são elogiados por seus pares acadêmicos. Mas são incapazes de criar grande arte porque não sabem viver. Nunca poderiam receber o beijo de Psiqué.

É preciso estar disponível à dor e ao retorno à infância para ter acesso ao Espírito. Esta é a uma das mais frutíferas ideias herdadas do Romantismo.



A propósito, é um filme muito triste também, claro. Você já vai entrando no cinema sabendo que John Keats morreu aos 25 anos, longe de sua amada, e o grande poema de sua vida, a paixão imensa que ele vivia, não pôde se concretizar completamente. Só aviso porque depois ninguém me acusará de ter recomendado um filme que deixou vocês chorando durante dias. Chora-se não somente pela tristeza e beleza daquela história, mas pela vida. Pela efemeridade, pela tragédia de haver pureza num mundo grotesco e por ela estar condenada, como os bebês estão condenados à morte desde que nascem, pela solidão dos que sonham, pelo suave respirar dos poetas em meio à turba que grita em jogos de futebol, entre carros, entre fumaça, sujeira e noites de neon regadas a álcool.

Outro detalhe é a beleza física dos protagonistas, específica, pensada para eternizar mitos. Campion escolheu uma atriz de beleza ingênua (pelo menos sua caracterização, vestidos, cor do cabelo, etc, tudo foi calculado para a exata composição de Fanny Brawne, a estrela brilhante de um grande poeta), e corajosamente, fora dos padrões de beleza de Hollywood: não é muito magra. Isso foi extremamente agradável de se ver, já que naquele tempo as mulheres não eram forçadas a serem esqueléticas ou malhadas. Não existia isso. Abbie Cornish está deslumbrante. E o sempre charmoso "com cara de rebelde sem saber, alienado e poético" (o que já aparecia no fantástico e polêmico "Perfume - A História de um Assassino") Ben Whishaw... por ele eu me apaixonaria à primeira vista. É sabendo destes efeitos que a atmosfera onírica é preparada pelos realizadores desta maravilha de cinema-poesia. Música, imagens, poemas. Um convite à Eternidade. Boa viagem a todos.






3 comentários:

Anônimo disse...

Uma coisa que geralmente me chama muito a atenção nos filmes da Jane Campion é a estética utilizada na construção do filme. No quesito temporalidade, todos são muitíssimo bem produzidos, conseguindo transportar aquele que os assiste para o período histórico em questão. Mas existe algo mais. A imagem "clean" que geralmente ela utiliza, isto é, não carregada, é aliada a imagem-poesia, fazendo com que a própria estética se torne além de parte integrante do filme; também um ator no qual os personagens transitam e interagem. Gosto muito.

Ainda não assisti o Bright Star - acabei de arrumar o que fazer amanhã a noite hehe - mas arrisco dizer que, embora a tristeza do mesmo por estar calcado na história de Keats, ele me parece bem mais onírico em termos de fotografia, do que o "The Portrait of a Lady" (Retrato de uma Senhora), que apela para um visual bem mais sombrio e carregado porém igualmente belo. (Outro filme recomendadíssimo da Jane Campion; em seu elenco Viggo Mortensen, o grande John Malkovich, Martin Donovan e claro, Nicole Kidman.)

Em tempo; os dois atores realmente são fantásticos, quem não assistiu ao "Perfume - A História de um Assassino" deve fazer um favor a sí mesmo e assistí-lo urgentemente, é de uma beleza ímpar, um deleite para os sentidos. (Bem como ler o livro, claro..)Ben Whishaw está ótimo!

Quanto a Abbie Cornish, o que dizer dela? Bem, além de fenomenalmente linda, ainda é pianista e guitarrista... Ai ai ai.. rs

Legal Cecil, valeu pela dica!! ;)

Cecil disse...

Oi Andreas, é verdade, a estética de Campion é um personagem. Em "O Piano", aquele imenso mar, a praia, o clima chuvoso e a floresta não falam muito? Eles urram em silêncio. E a luz? A cena de sexo deste filme é a mais linda que já vi no cinema. O capataz seduz a mulher e o filme nos seduz lentamente naquele claro-escuro, lenços esvoaçantes numa paradoxalmente sufocante cabana. Mas parece que estamos num salão onde só existe o piano e os futuros amantes.
Em "Bright Star", o clima é absolutamente onírico, é um sonho de juventude a amor eternos, de estado de sublime, êxtase. Mesmo a dor é extática. Impossível não mergulhar, não chorar e não se apaixonar. :)

beijos

Cecil disse...

PS.: Abbie Cornish é vegetariana. Foi eleita há pouco tempo a vegetariana mais sexy da Austrália. ;)

Será que Ben Wishaw também é? Não seria coincidência...:D