quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Portas da percepção...


Nas ultimas semanas tenho estado bastante envolvido na questão da percepção das múltiplas nuances do que conhecemos por “realidade”. Invariavelmente, quando inicia-se uma pesquisa nestes termos, você encontra algumas frentes de abordagem diferente para a mesma: Drogas, Música, Artes, Religião, Psicologia, Antropologia, Sociologia, Esoterismo e Ocultismo, Sociedades Indígenas e Contracultura. Seleciona-se alguns dos tópicos de interesse, forma-se a linha de pesquisa e raciocínio e vai-se mais a fundo destrinchando.

Pois bem, a minha ótica foi a questão das drogas, música, sociologia, psicologia e contracultura, pois as drogas hoje em dia, apresentam-se em um contexto completamente diferente daquele que inicialmente, nos anos sessenta, se apresentava.

Imagine a cena: O pai, aos seus sessenta e poucos anos e a filha, após uma aula especial contra o uso de drogas. Ela chega em casa e diz ao seu pai: “Pai, ele falou um monte contra a maconha. E não é verdade! Eu não vejo acontecer, com você e a mamãe, nada do que ele falou que acontece quando se fuma um baseado!”. O velho hippie sorri. Este momento apresenta dois momentos da mesma história: o presente, manifestado pelo comentário da filha, e o sorriso do pai, que funciona como enigma, exigindo a reflexão sobre o passado.

O pai é personagem de uma época em que o uso de drogas, especialmente as alucinógenas, era visto como uma estratégia para abrir as portas da percepção. Para isso, basta lembrarmos da metáfora que Aldous Huxley utilizou para se referir à alteração dos estados de consciência produzidos pela ingestão d
e certas ervas e plantas, cujo este texto tem por título - bem como grande obra literária do autor. A filha, ao contrário do pai, vive num ambiente em que a droga é caso de polícia. Para o pai, em sua juventude, ser hippie era compartilhar um ideário cuja prática radical dava prioridade às experiências: viver em comunidade, encontrar alternativas para as relações opressivas e alienantes da sociedade de consumo e, é claro, viver de forma dionisíaca do cotidiano; ou intensamente o “aqui e o agora”.

A radicalidade da experiência passava pela busca de novas maneiras de perceber o mundo e com ele se relacionar. Nessa busca incessante, experimentar tudo o que possibilitasse a abertura das portas da percepção era a palavra de ordem. O ideário hippie envelheceu, e seu comportamento rebelde adocicou-se com a institucionalização de seus valores. Mas, e no tocante às drogas, o que mudou o sentido da experiência entre uma juventude e outra? Elas perderam seu atributo de libertar o homem ou este atribuiu-lhes novos significados, novas leituras?

A resposta parece simples. Parece.

As drogas, claro, não perde
ram suas propriedades. Alem do mais, a busca por estados alterados de consciência é algo que acompanha a história do homem provavelmente desde os seus primórdios.

Se essa busca liberta o homem ou, ao menos, contribui para tal, depende do que se entende por liberação. Depois, o homem enquanto sociedade dominante, encontrou novos significados para sua compreensão do mundo e, dentre estes, a imposição necessária de limites ao uso de drogas, oriundos de sua consciência.

A crença nas drogas como elemento de liberação leva Huxley a escrever livros que o tornaram um dos mais influentes defensores do uso terapêutico das drogas alucinógenas. Dentre os inúmeros e importantes títulos produzidos por ele ao longo de sua existência, destacam-se “As portas da percepção”, “Céu e inferno” e “A ilha”. Anos antes de participar de experiências com Timothy Leary que deram origem ao conhecido “As Portas da percepção”, Huxley já havia experimentado o Acido Lisérgico. A identidade de interesses e valores sobre o uso do Acido foi tanta entre os dois que Huxley não se furtou ao convite de Leary para, juntos, escreverem um manual de uso adequado para o uso do Acido. Baseado no livro tibetano dos mortos, o resultado foi publicado sob o título “The psychedelic experience.”

Pouco antes de morrer, bastante enfraquecido pela doença, pede uma dose de Acido para fazer sua última viagem, ouvindo trechos do manual lidos por sua esposa e companheira, Laura Huxley.

Nessa época, tudo convergia para a formação de um universo psicodélico que a indústria cultural tratava d
e mercadejar. Drogas, sexo, experiências comunitárias, religiões exóticas e filosofias orientais pontilhavam o universo de interesse desse segmento novo de mercado: o jovem.

Hábitos, comportamentos e valor
es tradicionais são contestados, desmontados e modificados.

Mas, por que, nos anos sessenta, a experiência com drogas alucinógenas gan
hou tanta importância? Desde a descoberta laboratorial do ácido lisérgico nos anos 40, ele despertou a curiosidade de cientistas e pesquisadores das mais diferentes áreas.

A possibilidade de usá-lo como arma estratégica também foi considerada, e a CIA posteriormente, patrocinou uma série de pesquisas sobre seu uso. Essas experiências não eram de todo desconhecidas. Muitos faziam dela uma forma de aumentar sua receita e outros, de ter novas experiências.


O culto às drogas ganha ne
sse momento um entorno mágico, terapêutico ou religioso. Não que ele já não existisse. O homem sempre experimentou produtos que afetam sua percepção, e, desde o começo dos tempos, comunidades inteiras usam bebidas e ervas alucinógenas como parte de rituais religiosos.

Historicamente, este momento foi um cenário bastante rico e de muitas transformações. Progressos tecnológicos melhoram a qualidade de vida, a taxa de mortalidade se reduz, e
o tempo de vida da população aumenta. Num contexto de abundância material e com dinheiro na mão, essa geração sessentista, também conhecido como os “baby boomers” traduziu-se em poderosa demanda por bens de consumo, constituindo-se num fenômeno mercadológico por excelência. No entanto, consumistas ao extremo, também se entediavam facilmente.

O contexto da rebelião juvenil era claro, e seus inúmeros produtos (programas de rádio, TV, jornais, livros, fotos, etc.) são, hoje, registros, documentos dessa história.

A experiência com as drogas alucinógenas só se torna importante para o sistema
simbólico dessa geração porque os efeitos produzidos pela experiência ganham nova significação, nova leitura. Experimentar drogas estava associado a um complexo mecanismo de busca pelo auto-conhecimento, pela expansão da consciência.

Sob o efeito de drogas alucinógenas, são poucos os que resistem à percepção de níveis diferenciados de realidade.
É como se toda a estruturação lógica de nosso ego se desmoronasse. O inconciliável se concilia, os opostos se complementam. Mente e coração são percebidos enquanto unidade, e o racional é uma parte do vastíssimo campo de estruturações que a mente pode produzir. Os limites entre ilusão e realidade tornam-se tênues e a loucura se vislumbra no horizonte. Sonhar também é perigoso.


A erva do diabo é o protótipo desse momento. O livro de Carlos Castañeda dá início a uma série de vários volumes que relatam sua pesquisa antropológica sobre xamanismo. Em sua saga, o que temos é o processo de transformação vivido pelo autor que, antes de concluir sua pesquisa acadêmica, tornou-se, ele próprio, um bruxo. Não é difícil imaginar sua indignação quando soube, pelo próprio mestre, que o caminho espiritual prescinde do uso de qualquer droga. Castañeda tinha ingerido durante anos os mais diferentes tipos de plantas alucinógenas existentes no deserto mexicano; vivido momentos difíceis, com a cabeça confusa, à beira da loucura por causa das drogas. Seu mestre, indiferente, continuava ministrando-lhe alucinógenos. Insistindo na razão do uso maciço de alucinógenos, Don Juan não hesitou; foi a maneira encontrada para quebrar a rigidez intelectual cristalizada na mente de Castañeda.

Mas, se por um lado, a experiência com as drogas alucinógenas permite alterações da consciência suficientes para que se percebam os limites da racionalidade, por outro; a reiteração do seu uso faz com que os velhos paradigmas reconquistem o espaço perdido integrando os efeitos alucinógenos como parte de seu sistema mental.

- Se o objetivo é a libertação das amarras da racionalidade, o obstáculo natural é a própria
mente.

É impossível generalizar, mas não são poucos os relatos autobiográficos que narram o processo de abandono do uso de drogas após experiências muito fortes, autoreveladoras. Cedo ou tarde, essas experiências levam a secundarizar a importância da droga: depois que você descobre o outro lado... “para quê?”, pergunta-se a si mesma uma jovem, ex-freqüentadora do Santo Daime.

Em sua maioria, o percurso é recorrente: quando o uso de drogas desperta o universo religioso, místico ou mítico, a droga, de uma forma ou de outra, perde importância e significado.


A mesma jovem do início deste texto está agora falando com o pai sobre um livro.
Entusiasmada, resume os argumentos que explicam a inexistência de loucura em determinadas sociedades não-civilizadas.

- “Nós tendemos à loucura, pai, porque tentamos explicar tudo. Não existe o desconhecido. Na pior das hipóteses, o psicanalista resolve. E a loucura, como uma panela, submetida à excessiva pressão, explode. Já para o não-civilizado, o diálogo se dá pela linguagem do mito, equilibrando o indivíduo às suas condições ambientais. Em última análise, o que o autor está dizendo é que a magia cura.”

- “E, por que, então, pai, não se usa mais a magia para se ficar menos louco?”

Um comentário:

Anônimo disse...

amigo ja ouviu falar de experiencias feitas em tanques de privação sensorial?