terça-feira, 2 de outubro de 2007

Pianísmos... Tori Amos


Tori Amos é uma pianista imprevisível que transita com facilidade por diversos gêneros musicais sem; no entanto, perder a identidade. Seu estilo não é fácil de ser definido, mas é possível compará-la a cantoras como Fiona Apple, PJ Harvey, Suzanne Vega e Alanis Morrissete. Ao longo de sua carreira, essa cantora/pianista conquistou legiões de fãs fiéis em todo o mundo, surpreendendo-os a cada trabalho, nunca se deixando limitar por rótulos como “diva pop-rock” ou “underground”, “alternativo” e “indie”. Na verdade, durante toda a sua trajetória, Tori Amos demonstrou grande aptidão em brincar de fantoche com todos esses rótulos.

Myra Ellen Amos (nome de batismo) nasceu nos Estado Unidos, na cidade de Newton, Carolina do Norte, em 22 de agosto de 1963. Filha de uma descendente de índios Cherokees com um pastor metodista, a menina acabou tendo contato com diversidade cultural desde cedo.

Aos dois anos de idade, Myra começou a martelar nas teclas do piano e aos quatro anos tocava piano e cantava no coro da igreja. Um ano depois, ganhou uma bolsa de estudos para o Peabody Conservatory, que faz parte da Universidade John Hopkins de Baltimore. Myra estudou piano erudito na referida instituição até os onze anos, quando foi expulsa, porque insistia em tocar de ouvido e improvisar. Essa atitude não é nem um pouco comum no estudo de piano erudito, e pode causar incômodo em professores mais conservadores. Aos treze anos, ela tentou ingressar novamente no Peabody, mas não foi aceita. Apesar disso, Myra não desanimou e continuou estudando durante o dia e se apresentando, acompanhada de seu pai, em bares gays e salões de hotéis nos arredores da capital, Washington. Nessa época, ela já tinha canções escritas de próprio punho. Em 1980, sob o nome de Ellen Amos, foi lançado (graças à ajuda de seu pai) o EP “Baltimore”, que trazia a faixa título e, no lado B, uma canção chamada “Walking With You”. Este EP é raro e, pelo que se sabe, só foram lançadas, na época, pouquíssimas cópias em vinil, e não está sequer creditado na discografia oficial da cantora.

Quatro anos depois, aos 21 anos, Myra se mudou para Los Angeles, com o objetivo dar continuidade à sua carreira artística fazendo apresentações pela cidade. Em uma dessas ocasiões, um amigo de descendência oriental, depois de assisti-la, disse que ela parecia uma "tori". Myra achou a declaração interessante e resolveu adotar a palavra como pseudônimo artístico e, assim, passou a se apresentar como “Tori Amos”. Mais tarde ela descobriu que esta é a palavra que designa "galinha" em japonês.

No final dos anos oitenta, Tori formou uma banda chamada “Y Kant Tori Read” (uma referência à experiência de Tori no Peabody Conservatory, época em que ela tocava as músicas de ouvido, recusando-se a ler partituras). Um dos membros dessa banda era Matt Sorum que, posteriormente, viria a integrar o Guns n' Roses.

Em 1989 a “YKTR” lançou um disco homônimo, que foi um fracasso de vendas. O som da “YKTR” tinha como referência bandas de hard rock dos anos 80 como Heart e Pat Benatar. Tal sonoridade era bem diferente daquela que Tori Amos viria a adotar. A única faixa que chegava a ter alguma semelhança com o futuro estilo da cantora era a canção “Etienne Trilogy”.

O eminente fracasso da banda começou a atormentar Tori. Foi quando aconteceu algo que mudaria o rumo de sua vida e sua música para sempre. No final de um concerto, Tori aceitou dar carona a um suposto fã. Fatalmente, tal homem a estuprou. Seguiram-se, a esse fato, meses de profunda depressão nos quais Tori se manteve reclusa em seu apartamento. Desse mergulho na solidão e nos sentimentos surgidos, ela compôs várias canções bem distantes do estilo “YKTR”. Depois de algum tempo, Tori resolveu mostrar esse material para os executivos da Atlantic Records que, depois de ouvi-lo, deram a ela uma segunda chance. Assim, seguindo carreira solo, ela lançou, em 1991, o álbum “Little Earthquakes” (“Pequenos Terremotos”), um disco melancólico, passional e confessional que se tornou sucesso de crítica e público. “Little Earthquakes” impressionou por tratar de temas como estupro e baixa auto-estima abertamente. O diferencial, que caracterizaria seu estilo, era o fato de que o piano e a voz soavam em primeiro plano, deixando os demais instrumentos de fundo (ou em total ausência), inclusive as guitarras (que aparecem no disco em raros e discretos momentos), algo nada comum na época em que o Nirvana estourava no mundo todo. Esse disco trazia influências que iam de Robert Plant a Kate Bush, além de algumas pitadas de música impressionista, reminiscência da formação erudita. O principal single desse disco era a canção “Crucify”. A forma escancarada de abordar assuntos delicados e o caráter confessional, quase autobiográfico, das canções, viria a ser seguido, posteriormente, por cantoras como Alanis Morissette.

Depois desse ótimo disco de estréia, em 1994 foi lançado o álbum “Under The Pink”. Neste disco, Tori se mostrou ainda mais sarcástica ao tratar de temas como religião, sexo e relações humanas, especialmente relações entre mulheres. "Cornflake Girl" é o principal single do disco. Essa canção, com forte influência do rock blues e dos spirituals, consolidou Tori Amos como compositora e interprete. O disco contou com a participação de Trent Reznor (Nine Ich Nails) que acompanhou Tori cantando o refrão de “Past the Mission”. Na canção “Bells for Her” Tori utiliza um piano preparado com som similar ao de sinos de igreja, seguindo uma tendência da música erudita contemporânea, que tem o compositor John Cage como principal representante. Musicalmente, “Under the Pink” pode ser considerado um aprimoramento da sonoridade de “Little Earthquakes”, definindo melhor uma identidade musical.

Dois anos depois, Tori Amos lança seu terceiro trabalho “Boys for Pele”, totalmente produzido por ela própria. Na verdade, a partir desse momento, Tori viria a produzir sozinha todos os seus discos. O título é uma alusão à deusa havaiana “Pele” para a qual se oferecem garotos como sacrifício. Na capa, Tori aparece sentada em uma cadeira de balanço, dentro de uma cabana, empunhando um rifle. Supostamente ela estaria vigiando os meninos que seriam oferecidos em sacrifício para a deusa “Pele”. A faixa “Caught a Light Sneeze” ganhou um considerável espaço em uma grande quantidade de rádios. Apesar disso, o disco não apresentava o tom pop desse primeiro single. “Boys for Pele” possuía uma tendência mais experimental que seus antecessores. Tori havia abandonado as estruturas que habitualmente apareciam em suas canções. Apesar do piano continuar em primeiro plano, o cravo (instrumento barroco que precedeu o piano) também aparecia em diversos momentos (“Blood Roses”, “Professional Widow”, “Talula” e a própria “Caught a Light Sneeze”). Em alguns momentos esse cravo era tocado de maneira delicada, em outros (“Professional Widow”) era tocado de forma martelada, agressiva, quase psicótica, parecendo um hard rock com baixo, bateria e cravo, além de alguns ruídos não identificados. Segundo boatos, a canção “Professional Widow” (“Viúva Profissional”) seria uma “navalhada” dedicada a Courtney Love. Se for verdade, o título da canção, sem dúvida, é bastante sugestivo, além de versos como “Me dê paz, me dê amor e um pinto duro”. Enquanto os outros dois discos eram carregados de melancolia, no que diz respeito ao som, “Boys for Pele” soava mais agressivo. A diferença estrutural das canções resultou numa mudança que não era óbvia, apesar de, paradoxalmente, também não ser sutil, o que levou os críticos a acusá-la de estar sendo repetitiva.


Mas as mudanças encontradas em “Boys for Pele” eram só o início. “From the choirgirl hotel”, disco lançado em 1998, representou uma transformação drástica no universo musical da cantora. Um ano antes, no final da turnê de “Boys for Pele”, Tori sofreu um aborto espontâneo. Como havia acontecido em “Little Earthquakes”, esse drama pessoal se transformou no tema do disco que pode ser considerado o mais soturno da discografia de Tori Amos. Pela primeira vez, as composições foram concebidas para serem interpretadas por uma banda, ao contrário dos discos anteriores nos quais o piano sobressaia a tudo. “From the choirgirl hotel” exacerbou o experimentalismo de “Boys for Pele”, acrescentando novos elementos e novas estruturas à música de Tori Amos, que também começou a usar mais instrumentos eletrônicos, como teclados e sintetizadores. A percussão e as guitarras ganharam mais espaço. O flerte com a música eletrônica e com o trip-hop também aparecem em alguns momentos (“Cruel”). A aura dark predomina durante todo o disco, que trazia, também, melodias muito mais trabalhadas e introspectivas do que as dos discos anteriores (como em “Liquid Diamonds” e “Pandora’s Aquarium”), além de um blues surrealista (“She’s your Cocaine”). Entretanto, para que os fãs não se sentissem “órfãos”, ainda haviam músicas que se assemelhavam às composições antigas (“Jackie’s Strength” e “Northem Lad”). Nesse mesmo ano, Tori Amos se casou com o seu engenheiro de som, Mark Hawley, com quem mantinha uma relação há algum tempo.


Em 1999, Tori promoveu “From the choirgirl hotel” em uma turnê que dava suporte às apresentações de Alanis Morissette. Nesse ano ela chegou a cogitar a possibilidade do lançamento de um disco de raridades. Mas, depois de um período de grande fertilidade criativa, Tori acabou escrevendo várias canções. O resultado foi o álbum “To Venus And Back” que era composto por dois CDs. Um deles trazia as novas composições de Tori. O segundo compilava algumas canções tocadas ao vivo, extraídas da recente turnê que Tori havia realizado. As gravações inéditas apresentadas nesse álbum davam continuidade ao estilo que havia sido apresentado em “From the choirgirl hotel”, porém de forma mais suave. Piano, teclados, percussão, baixo, guitarra e programações eletrônicas tiveram uma produção bastante sóbria, resultando numa sonoridade coesa e límpida, ao invés da “sujeira” – no bom sentido – do disco anterior. A banda que gravou “To Venus And Back” era a mesma do disco anterior. Tori pretendia manter essa banda em definitivo. O disco ao vivo apresentava mais canções dos primeiros discos de Tori, sendo que apenas uma, “Cruel”, pertencia à nova fase.

No ano 2000, nasceu a primeira filha de Tori, Natashya. E em 2001, foi lançado o álbum “Strange Little Girls”, um disco conceitual de regravações. Neste trabalho, Tori reinterpretou canções que haviam sido originalmente compostas e interpretadas por homens. A idéia era dar uma perspectiva feminina a tais canções: “Eu estava cuidando de Tash (a filha) na Flórida, e eu estava ouvindo muitos artistas homens nas rádios alternativas. E alguns deles realmente odiavam mulheres. Eu pensei na minha filha e o que esses homens estavam pensando sobre as mulheres. Eu queria construir algum tipo de ponte, e eu percebi que essa era a única maneira de entrar na cabeça desses homens...” (em entrevista à Blender Magazine). De fato, Tori regravou músicas como “’97 Bonnie & Clyde” do Eminem e “Raining Blood” do Slayer. Músicas que falam abertamente sobre violências contra mulheres. Especificamente em “’97 Bonnie & Clyde”, a letra narra a triste história de uma dona de casa que é espancada até a morte pelo marido e jogada no oceano: "Eu estava interessada na esposa, que não tinha nome nem face. Todo mundo estava dançando com essa canção, e ninguém parecia importar-se com ela" (em entrevista à Blender Magazine). De fato, é difícil de acreditar que alguém dançaria ao ouvir as versões de Tori Amos para “’97 Bonnie & Clyde” e “Raining Blood”. Esta virou uma espécie de cantochão, enquanto aquela se tornou uma trilha de filme de terror, com a letra recitada/sussurrada. E isso mostra que tipo de regravação Tori Amos fez em “Strange Little Girls”. Cada canção foi recriada, reinventada, quase recomposta. “Happines is a Warm Gun” (Beatles) ganhou uma versão de quase dez minutos. “Heart of Gold” de Neil Young se transformou em um rock no estilo Stooges (“um mantra regido por uma linha psicótica de guitarra” segundo o apresentador do programa Auto-Falante, da Rede Minas). Além desses artistas, Tori regravou Velvet Underground, Depeche Mode, Tom Waits. “Strange Little Girls” foi um marco na carreira de Tori Amos, a partir do qual todos os discos seguiriam um conceito. Além disso, esse foi o último disco da cantora lançado pela Atlantic Records.


Em 2002 foi lançado, pela Epic, o disco “Scarlet's Walk” (“O Passeio de Scarlet”). Com este disco, Tori surpreendeu mais uma vez os fãs, exatamente por não seguir com o experimentalismo dos discos anteriores. Tori viria a afirmar que detestava ser a “next big thing” alternativa tanto quanto detestaria ser a “next big thing” pop. Sendo assim, “Scarlet's Walk” traz um conjunto de canções pop/rock muito bem arranjadas. Mesmo sendo um trabalho mais acessível para o grande público, as canções ainda são pouco convencionais, nem sempre atendendo à expectativa do ouvinte. Apesar de haver alguns refrões pegajosos, predominam melodias elaboradas e introspectivas, às vezes levadas a uma repetição hipnótica, e belíssimos contrapontos entre piano, violão, guitarra e os vocais dobrados de Tori. A inspiração parcial para “Scarlet's Walk” foram os atentados contra as torres gêmeas em 11 de Setembro. Mas, diferente de muitos discos que foram feitos sobre este tema, “Scarlet's Walk” não era um hino à glória e à soberania dos E.U.A. Na verdade, os atentados foram apenas o ponto de partida, que levaram Tori a criar uma personagem, Scarlet, que representava os E.U.A. Tal personagem estaria fazendo uma viagem pelo país, ou seja, dentro dela mesma (metaforicamente). As músicas construíam a narrativa dessa viagem que trazia questionamentos acerca da identidade do povo dos E.U.A., dando pedradas na crueldade e nas injustiças cometidas contra os povos indígenas norte americanos “...ele estava procurando um pouco de sangue indígena e achou um pouquinho em você e um pouquinho em mim. Nós podemos estar nessa estrada, mas somos apenas impostores nesse país...” (trecho da canção “A Sorta Fairytale”).

No fim do ano de 2003, a Atlantic Records lançou a coletânea “Tales of a Librarian: a Tori Amos collection”, disco que celebrava dez anos de carreira da cantora. Apesar de ser uma coletânea, esse disco também se baseava em um conceito. No encarte de “Tales of a Librarian” (“Contos de uma bibliotecária”), as canções eram separadas em categorias, organizadas como se fossem livros em uma biblioteca, acompanhadas por uma referência. “Tales of a Librarian” reunia as canções de “Little Earthquakes” a “To Venus and Back”, dando maior ênfase à primeira fase da carreira. Além disso, o disco trazia dois b-sides (“Mary” e “Sweet Dreams”) e duas canções inéditas (“Angels” e “Snow Cherries From France”).

Em 2004 foi lançado o DVD “Welcome to Sunny Florida” que documentava a última apresentação da turnê do disco “Scarlet's Walk”, realizado na Flórida. Apesar de ser uma excelente apresentação (na qual Tori mostra seu virtuosismo no piano, piano elétrico e no Fender Rhodes), o repertório de “Welcome to Sunny Florida” é muito semelhante ao do disco ao vivo de “To Venus and Back”. Algumas canções, como o hit “Crucify”, ganharam versões estendidas e com arranjos mais sofisticados que nas gravações originais. O DVD também traz algumas entrevistas com a cantora e com sua mãe, contando, também, com aparições do pai e da filha de Tori Amos. “Welcome to Sunny Florida” também contava com um cd bônus chamado “Scarlet’s Hidden Treasures” com seis faixas de canções até então inéditas. “Scarlet’s Hidden Treasures” é morno - pode-se dizer que é o disco mais fraco de Tori Amos -, mas, apesar disso, tem algumas excelentes canções como “Bug a Martini” (uma bossa com sonoridade “The Doors”) e o rock n’ roll rasgado de “Tombigbee”.

“The Beekeeper” (O Apicultor) é o disco mais recente de Tori Amos, lançado em 2005. Nele, o estilo de “Scarlet’s Walk” amadurece e ganha (em alguns momentos) um clima mais setentista. Apesar de ser mais pop que seu predecessor, “The Beekeeper” é mais coeso em suas formas musicais, tornando-se, assim, um trabalho muito mais sóbrio. Para criar o conceito
deste disco, Tori recorreu a pesquisas bibliográficas que abrangeram os evangelhos gnósticos a livros sobre apicultura. O álbum também funciona como um contraponto ao “Scarlet’s Walk” ao abordar o universo e a doutrina cristã, que segundo ela própria estavam sendo abertamente deturpados. Disso surgiu uma história na qual uma personagem passa por seis jardins, que representam diferenciadas sensações (como paixão e traição) que se podem viver em um relacionamento. É difícil destacar as melhores canções desse disco, mas vale indicar “The Power of Orange Knickers” (que conta com a participação de Damien Rice), “Sleeps with Butterflies” e “Cars and Guitars”.


Tori Amos Interview - Piano Shopping


Tori Amos - Little Earthquakes - 1992






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