domingo, 5 de julho de 2009

Aqui, Jazz... II


Ao ver o ótimo texto anterior sobre jazz, tive uma grata surpresa, como uma fã que se vê recompensada ao encontrar uma carteira perdida de seu ídolo, e nela a oportunidade de manifestar seu apreço face a face. Resumindo: fiquei mais feliz do que pinto no lixo, pela deixa para desenvolver uma nova categoria no blog... Jazz.

Sou fã de carteirinha desse grande gênero, desde os 12 ou 13 anos ouvia alguns discos de minha mãe. Meu avô era trumpetista, e sua aparência física lembrava muito o grande Chet Baker, coisa que se deita no imaginário de uma adolescente com muito conforto, gerando as mais poéticas imagens sobre antepassados, com heróis musicais reunindo-se às memórias familiares.


Um gênero cuja história se mescla de modo intenso à história social e antropológica dos negros nos Estados Unidos, e ao mesmo tempo às mais sofisticadas manifestações intelectuais sobre modernidade, liberdade e música no século XX. Stravinsky não disse? "O jazz é a música clássica do séculoXX". Se Ele disse, deve estar certo... afinal, convenhamos: é fato que o jazz representou e influenciou mais durante o século do que a música de Stockhausen, é ou não é?

Os artistas citados por Andreas na primeira postagem são de tremer as bases. Mas o jazz é isso mesmo. A todo momento um questionamento sobre a sua definição. Quase não há certo ou errado aqui. Mas uma coisa tem que permanecer para reconhecer o gênero musical: o groove. O balanço, aquela mexida nas acentuações vindas de uma dinâmica interpretativa sobre os compassos, mesmo os mais estranhos, uma riqueza de sonoridade, liberdade, mas sempre amarradas por um fio delgado, quase transparente, ao pai Blues. Voltaremos a essa questão daqui a pouco, quando farei uma questão sobre a pouca presença do cello no estilo.

Gostaria apenas de declarar nessa postagem meu amor infinito por uma peça em especial, a que considero a mais bela peça de jazz escrita. Há milhares de versões para ela, um clássico. Em 1986, um filme homônimo dirigido por Bertrand Tavernier, explorou a mesma e apresentou ao mundo uma visão intimista e sensual, ao mesmo tempo suja e decadente, mas sempre nobre e bela, de Paris... uma Paris onde se perde o gênio do protagonista, sax-tenor representado por ninguém menos que... Dexter Gordon. É... dois dos "atores" do filme sao lendas do jazz, grandes músicos. Dexter Gordon e Herbie Hancock. Eles atuam esplendidamente. Gordon faz o papel de um músico alcoólatra e solitário, recluso e doente, e este é uma mistura de duas lendas do jazz, semelhantes: Lester Young e Bud Powell. Aliás, este último é citado às vezes como o verdadeiro autor da peça que é também título do filme, apesar de ela ter sido sempre creditada ao gênio Thelonius Monk (que dizem ter escrito essa jóia de beleza aos 15 anos). Sem mais delongas, eis o trailer do filme de Tavernier:




Para deleite posterior, deixo a experiência sublime do grupo Gotan Project, que ressuscitou uma gravação de Chet Baker, e reuniu a ela sua sonoridade característica, argentina: acordeon, violão (aí poderia ser um violino, instrumento de um dos componentes do grupo), e percussão.



Quando eu morrer, me cremem ao som disso aí, pelo amor de Deus... toquem isso no meu velório (nunca gostei da ideia de velório, mas se tiver "'Round Midnight" eu topo), qualquer versão serve!

Voltando à questão do cello... certamente é um instrumento não popular, ao contrário até do violino, com suas origens ciganas. De fato muitos povos do mundo têm instrumentos semelhantes ao violino, é uma ideia fácil de se ter, e pequeno, simples de carregar. O cello tem uma origem mais nobre. Viola da gamba, corte francesa, aquela coisa toda do Rei Sol... certamente nunca foi um instrumento do povo. Imagine nos Estados Unidos do século 19, New Orleans, como poderia aparecer um cello na história? Nunquinha da silva. A sonoridade do jazz e os ritmos mais clássicos que o caracterizaram foram marcados e formados mesmo pelos timbres e capacidades específicas dos instrumentos disponíveis: sopros (metais principalmente), guitarras, percussão, e o piano... ah, os bordéis. É, há quem esqueça isso quando se senta comportadinho(a) num concerto de jazz (coisa mais abominável tratar o jazz como se Karajan estivesse ali regendo uma sombria peça de Wagner e não se pudesse nem mesmo respirar - já tomei esporro de uma senhora desgradável e autoritária porque estava conversando numa happy hour (!) ao som de Dave Brubeck...), esquecem-se de que o jazz nasceu em vários lugares de New Orleans, mas em boa parte nos puteiros. Oh yeah, babe...

O violino tem grandes representantes no jazz, Ponty, Grapelli, entre outros. O cello? Além da história social pouco favorável, a formação dos violoncelistas não ajuda. Sempre rígida, muitíssimo rigorosa e refinada, enquanto o jazz pede relaxamento e... o tal do groove. Os cellistas têm que aprender isso. Vocês querem saber o que é? Ouçam o cellista David Darling dando uma divertida aula de como se faz:



Há o disco de Claude Bolling com Yo Yo Ma, e este mesmo gravou um disco com Grapelli, mas quem brilha é o violinista francês. De qualquer forma, Yo Yo Ma foi corajoso, gosto muito de suas investidas na música popular.

Por volta da meia noite já estamos nós... hora fatal do jazz.

3 comentários:

Andreas disse...

Cecília!!

Clap! Clap! Clap!!
Que aula, que show! Meus parabéns!!

Imapagável o video do David Darling - e diria até mesmo providencial para vários Cellistas que, além da formação rígida e foco na busca pela execução perfeitamente fiel a partitura; infelizmente insistem na propagação da "escola" da "cópia".

Quanto a Gotan Project?
Deixa eu pegar duas taças lá no armário... : )

Cecil disse...

;)

Cecil disse...

Ah, devo lembrar que o disco "Kind of Blue" faz 50 aninhos este ano. Save Saint Miles...