Após a cretiníssima experiência nas mãos de um grupo de auto denominados “headhunters” ontem, resolvi largar mão hoje e exercer a minha função de vagabundo sênior.
Mas, convenhamos, o bacana é ser um vagabundo com classe, não um qualquer.
Então, lá pelas 9:00 da matina eu tive a cara de pau de abrir um vinho Chileno. Com as mãos passeando pela estante, resolvi dar mais uma chance ao livro “Maestros, Obras-Primas & Loucura - A Vida Secreta e a Morte Vergonhosa da Indústria da Música Clássica”, de Norman Lebrecht. Comprei-o ano passado enquanto dando minhas voltas sem rumo definido, que invariavelmente me jogam dentro das livrarias de São Paulo; mas confesso a vocês que após duas ou três tentativas, não deu a química e na época, deixei de lado. Agora finalmente venci a introdução e o primeiro capitulo, e estou com uma impressão bem melhor então acho que agora vai.
Lebrecht mostra como um grupo de engenheiros, empresários e regentes popularizou
um gênero musical até então restrito a círculos privilegiados, ao mesmo tempo em que gerou uma montanha de bobagens, excessos e egocentrismos.
Ele mostra também o vergonhoso declínio dessa indústria e, sempre disposto a polemizar através da ironia, faz uma seleção crítica das cem gravações clássicas mais importantes da história, e das vinte mais lamentáveis. Através de uma rápida folheada pelo livro, me deparei com pontos de vistas, casos e análises que acredito irão acrescentar e muito, para aqueles que querem entender um pouco melhor a música hoje em dia. Muito bom.
Como mesmo os vagabundos precisam almoçar e vinho em excesso quando em jejum não é lá a coisa mais recomendável do mundo, lá pelas tantas deixo o livro de lado e vou cuidar do nosso alimento de cada dia; afinal já tinha programado a tarde para ficar debruçado nos métodos, partituras e pesquisas, tendo por companhia a outra metade da garrafa. Como adoro isso... Crise? Ora, aproveite para viverem um pouco mais meus caros... (Outra coisa para NÃO ser citado em ocasiões como a do post anterior, enfim.)
Pesquisando a respeito de mais técnicas de arco já que a minha basicamente é experimental demais - ou, praticamente inexistente, como queiram - voltei meus olhos para o Cellista Francês e professor, André-Nicolas Navarra. Tudo a ver com o início do texto, este cara esteve presente por grande parte do período que o livro abrange, apenas constatando.
Nascido em 1911, desde pequeno ele foi preparado para ingressar no mundo da música – seu pai, de acordo com relatos era um excelente contra-baixista – e antes de iniciar os estudos efetivamente em algum instrumento, aprendeu a respeito de escalas, métrica harmonia e solfejos. Aos 7 anos de idade iniciou os estudos no Cello, e 2 anos depois foi aceito no Conservatório de Toulouse. Se graduou quando tinha 13 anos com honra ao mérito, ingressando logo na seqüência, no conservatório de Paris; aonde graduou-se novamente com honra ao mérito, aos 15 anos de idade.
Após o Conservatório de Paris, Navarra parou completamente com as aulas e não buscou mais aprimorar sua técnica – algo bastante incomum entre os Cellistas Solo. Ao invés disso, ele iniciou um trabalho pessoal para o desenvolvimento de um curso e métodos próprios, tornando-se assim por um período, autodidata no instrumento. Este trabalho incluiu a transcrição de enumeras técnicas de violino para o Cello, incluindo materiais de Carl Flesch e Otakar Ševčík. Tendo permanecido em Paris durante este período, ele teve a oportunidade pela observar musicistas como o Cellista Emanuel Feuermann, o pianista Alfred Cortot e o violinista Jacques Thibaud, além de se aproximar de alguns compositores de renome na época, como Ibert, Honegger e Florent Schmitt. Tempos depois, foi adotado como pupilo por certo período, por Pablo Casals.
Em 1929, aos 18 anos, Navarra ingressou ao Krettly Quartet, e permaneceu nesta parceria com eles por 7 anos, e em 1931 faz seu “debut” executando o concerto para Cello em D menor de Lalo, junto a Paris Colonne Orchestra. Em 1933, se torna o Spalla da Paris Opéra Orchestra, paralelamente ás suas colaborações como solista em inúmeras outras orquestras Européias.
Outra coisa inusitada quanto a este senhor, era o fato de Navarra praticar natação e ter uma queda acentuada por boxe, praticando-o por anos a fio. Dizia que isto era ideal para um Cellista e tais atividades, ajudavam em seu domínio do instrumento. Aos poucos, ele consolidava sua carreira como músico profissional, ganhando um empurrão extra em 1937, ao ganhar o primeiro prêmio e honrarias da Competição Internacional de Vienna.
No entanto, sua carreira foi abruptamente interrompida em 1939, quando estourou a 2ª Guerra Mundial, período este em que abandonou seu Cello e ingressou na Infantaria Francesa.
Após a Guerra, ele retoma sua carreira de musicista, e aceita o cargo de professor no Conservatório de Paris, substituindo Fournier; paralelamente as grandes turnês nos EUA, Europa, Ásia e na União Soviética.
Sob a condução de Barbirolli, gravou uma bem sucedida versão do concerto para Cello Solo de Elgar, o mesmo concerto que deu fama á saudosa Jacqueline Du Pré.
No entanto, Navarra tem o grande mérito como um dos melhores professores de Cello daquele período pela transcrição de várias técnicas do violino para o Cello. Paralelamente as aulas que ministrava no Conservatório de Paris, era freqüentemente chamado para dar aulas em outros institutos, como a Accademia Musicale Chigiana, em Siena, na Hochschule für Musik, em Detmold, em Saint-Jean-de-Luz bem como em Londres e Vienna.
Veio a falecer na, na Itália, em 1988.
Dentre seus trabalhos de cunho mais acadêmico, talvez ele tenha sido um dos precursores das vídeos-aula, tendo desenvolvido um material muito um material bastante bom em que explica suas técnicas de arco. Bom... Quanto a isso...
...vou explicar, para quê? Vejam o vídeo com sua execução de Moses Fantasy, de Paganini... Os links para as vídeo-aulas estão logo na seqüência...Em Alemão e Francês... Por ora, após uma pausa, acendo um cigarro e entorno o resto da garrafa em uma taça antes de retornar ao meu Cello... Divirtam-se!!
André Navarra - Paganini Moses Fantasy
Andre Navarra Vídeo Links:
Andre Navarra explains his bow technique - part 01
Andre Navarra explains his bow technique - part 02
Andre Navarra explains his bow technique - part 03
Andre Navarra explains his bow technique - part 04
Andre Navarra - The left hand
Andre Navarra - Shifting
4 comentários:
Quanto ao lance de ser vagabundo com classe... nada mais glorioso... afinal, não era o Charlie the Tramp de Chaplin um vagabundo com postura, atitude e delicadeza de um príncipe? Ele é um aristocrata que sabe curtir a vida só que é maltrapilho. :)
Lembrei-me da famosa sequência em "Breakfast at Tiffany's" em que o escritor-e-vagabundo-e-galã (só que este era sustentado por uma mulher rica...:D) Paul diz a Holly (a divina Hepburn): nunca bebi champanhe antes do café da manhã. E depois: "-Isn't it wnderful? -What? -Tiffany's!" ;)
Vou ver os links depois... excelente postagem.
beijo
Quero de uma certa maneira,desabafar mesmo...Otimo o teu blog,um consolo a um solitario beberrão e esfumaçado leitor...Os posts sobre jazz estão sensacionais mesmo...Aliás,uma garrafa de vinho,um jazz e uma carteira de camel e uma leitura agradavel,pra que mais? abraços.
Marcelo meu caro,
Chegue mais, puxe uma cadeira, sirva-se de vinho e acenda o teu cigarro... És muito bem vindo, sinta-se em casa!
...quanto aos incríveis posts sobre Jazz, todo o crédito vai para a nossa querida autora, Santa Cecília!!
Grande abraço!
Andreas
Também sou violoncelista, faço aulas regulares (pelo menos duas vezes por ano) com um dos maiores alunos de Navarra que também é brasileiro. Seu nome é Márcio Carneiro (procure no youtube depois, tem um vídeo dele tocando a terceira suíte de Bach, repare na técnica de arco). Acho que Navarra revolucionou a técnica de arco do violoncelo, principalmente ao que se diz respeito à flexibilidade. Dizem que ele desenvolveu isso tudo depois de uma conversa de apenas meia-hora (?!) com Carl Flesch, no camarim depois de um concerto. Sua gravação do Elgar é estupenda, diria melhor que a de DuPre. Um abraço!
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